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Dólar fecha em R$ 6 pela primeira vez na história. Pacote fiscal sofre duras críticas

Falas de líderes do Congresso deram trégua à disparada no início da tarde, mas alívio não se sustentou. O governo estava pressionado para apresentar medidas que garantissem o equilíbrio das contas públicas, mas isso não aconteceu.


Em termos reais, máxima histórica do dólar foi de R$ 8,75

Essa foi a maior cotação da moeda americana em 30 anos, alcançado em setembro de 2002, considerada a inflação no Brasil e nos Estados Unidos

dólar fechou a R$ 6 nesta sexta-feira (29), renovando o recorde histórico nominal pelo terceiro dia consecutivo. Durante a sessão, a moeda norte-americana chegou a alcançar R$ 6,115, influenciada pelas incertezas em torno do pacote fiscal do governo Lula, mas recuou para R$ 5,955 após declarações de líderes do Congresso. No entanto, voltou a subir, encerrando o dia com alta de 0,19%.

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A valorização do dólar reflete as preocupações do mercado com a proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5.000, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A medida, que teria impacto estimado em R$ 35 bilhões na arrecadação, foi criticada por investidores por ocorrer simultaneamente à apresentação do pacote de corte de gastos, projetado para gerar economia de R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026.

Os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), respectivamente, disseram que a proposta da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5.000 —anunciada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) na quarta— não deve avançar em um futuro próximo pelo Congresso Nacional.

Ao longo de novembro, a divisa avançou 3,62%, e, na semana, 3,25%. No acumulado do ano, a valorização é de 23,46%, segundo a plataforma CMA.

Na quinta, o dólar disparou 1,30% e fechou a R$ 5,990, enquanto a Bolsa desabou 2,39%, aos 124.610 pontos – Foto: Gabriel Cabral /Folhapress

Ainda que o valor seja recorde na base nominal —a que desconsidera a inflação do cálculo—, a maior cotação real foi atingida em setembro de 2002, na esteira da primeira eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Corrigido pela inflação, o valor do dólar naquela ocasião seria hoje o correspondente a R$ 8,75.

O cálculo, feito pela consultoria Elos Ayta, considera a cotação da Ptax —a taxa de câmbio calculada pelo BC (Banco Central)— e ajustes pela inflação brasileira (IPCA) e norte-americana (CPI) até novembro de 2024.

A disparada, em curso desde quarta-feira, é em reação às medidas de ajuste fiscal do governo Lula.

Apresentado na quinta, o pacote —que prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026— decepcionou o mercado financeiro por excluir medidas de maior impacto fiscal e incluir a elevação para até R$ 5.000 na faixa de isenção de Imposto de Renda, tendo como fonte a taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil mensais.

O dólar, que rondava a casa dos R$ 5,80 até terça-feira, logo rompeu as barreiras de R$ 5,90 e R$ 6 em reação ao anúncio duplo. Para conter os ânimos, Lira e Pacheco reforçaram apoio do Congresso às medidas de corte de gastos e austeridade fiscal, mas criticaram possíveis mudanças na arrecadação com impostos.

“Não é pauta para agora e só poderá acontecer” se houver condições fiscais para isso, ou seja, se houver garantia de receitas que compensem a perda de arrecadação, afirmou Pacheco sobre a mudança no IR.

Lira adotou o mesmo tom no X

“Reafirmo o compromisso inabalável da Câmara dos Deputados com o arcabouço fiscal. Toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar”, disse.

“Qualquer outra iniciativa governamental que implique em renúncia de receitas será enfrentada apenas no ano que vem, e após análise cuidadosa e sobretudo realista de suas fontes de financiamento e efetivo impacto nas contas públicas. Uma coisa de cada vez. Responsabilidade fiscal é inegociável.”

Na Bolsa, a reação foi mais duradoura. O Ibovespa fechou em alta de 0,84%, aos 125.667 pontos, também apoiado pela Vale e pela Petrobras, as duas empresas de maior peso no índice.

Haddad também falou nesta sexta, em tentativa de colocar panos quentes na disparada da moeda norte-americana.

Em almoço promovido pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos), afirmou que o pacote “não é o ‘gran finale’ de tudo que precisa fazer”. Segundo ele, daqui a três meses pode estar discutindo o pacote de corte se for necessário. “Se tiver algum problema, vamos voltar para a planilha, para o Congresso, para o presidente Lula.”

Para os investidores, o problema foi comunicar as duas medidas ao mesmo tempo —especialmente em um momento de grande expectativa pelo pacote, aguardado por quatro semanas.

“Os investidores provavelmente receberiam de braços abertos esse valor significativo de R$ 70 bilhões, mas a surpreendente medida de isentar os salários até R$ 5.000 conteve o otimismo”, avalia Eduardo Moutinho, analista de mercados do Ebury Bank.

A Fazenda estima que o aumento da faixa de isenção terá um impacto de cerca de R$ 35 bilhões na arrecadação federal. Isso será compensado, ainda segundo o ministro, por uma alíquota mínima de 10% no IR para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano —proposta conhecida como “taxação dos super-ricos”.

Além disso, o governo terminará com a isenção para aposentados que tenham problemas de saúde graves e recebam acima de R$ 20 mil ao mês, “entre outros ajustes”.

De acordo com Haddad, a reforma sobre o IR não fará efeito no fiscal e tem como objetivo assegurar a justiça tributária.

Mas a matemática não convenceu totalmente o mercado, que ainda espera mais detalhes sobre como a conta será paga. Além disso, ficou a percepção de que a preocupação é mais política do que econômica.

Entre as medidas anunciadas, estão: revisão da regra de concessão do abono salarial; regulamentação dos supersalários; aperto nas regras de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada); mudanças nas aposentadorias de militares; e limite do crescimento de emendas parlamentares às regras do arcabouço fiscal.