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Vitória de Trump estremece países da Europa e Brasil, que temem sua influência na extrema direita

Com a volta de Donald Trump ao poder, a Europa se prepara para viver turbulências, redobra suas incertezas e teme que o próximo mandatário da Casa Branca influencie a extrema direita no continente. Da Guerra na Ucrânia ao futuro da OTAN, os EUA da nova era Trump devem provocar tensão e reviravolta na geopolítica. Como a União Europeia pretende lidar com esse novo cenário?


Da Europa, a primeira a parabenizar Donald Trump foi a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que está no seu segundo mandato frente ao Executivo do bloco. Em sua mensagem, Von der Leyen  afirmou que “A UE e os EUA são mais do que apenas aliados”. “Estamos ligados por uma verdadeira parceria entre os nossos povos unindo 800 milhões de cidadãos. Portanto, vamos trabalhar juntos numa agenda transatlântica forte que continue a produzir resultados para eles”, acrescentou. Apesar do tom relativamente cordial, a reeleição de Trump estremeceu Bruxelas.

A parceria transatlântica que existe há quase sete décadas deve entrar em uma zona de turbulência. A começar pelas relações comerciais e a perspectiva de Trump de impor tarifas de 10 a 20% em todas as importações europeias. Em sua mensagem, Von der Leyen ressaltou que “milhões de empregos e bilhões em comércio e investimento em cada lado do Atlântico dependem do dinamismo e da estabilidade de nossos laços econômicos”. Uma estabilidade com a qual a Europa agora não pode mais contar.

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Além do comércio, outra questão urgente é a Guerra na Ucrânia. Durante sua campanha, Donald Trump prometeu acabar com o conflito no primeiro dia de seu novo mandato. Ao que tudo indica, a proximidade entre Trump e o presidente russo Vladimir Putin pode resultar em um acordo com grandes concessões para o chefe do Kremlin com a imposição unilateral de um cessar-fogo, o que representaria um duro golpe para a Europa.

Aliados de Trump na UE

Um dos grandes aliados de Donald Trump na Europa é o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que está no comando da presidência rotativa do bloco até o final do ano. A vitória do candidato republicano fortalece o populista húngaro, o mais “trumpista” dos dirigentes europeus, que classificou a reeleição de Trump como “provavelmente o maior retorno na história política ocidental”. Segundo o diretor da Sciences Po em Dijon e do Instituto Jacques Delors, Lukás Macek, “os dois aliados partilham o desprezo pelas elites, uma hostilidade em relação à imigração e afinidades com Vladimir Putin”. Trump e Orbán concordam sobre a necessidade de por um fim no conflito ucraniano e criticam a ajuda militar fornecida a Kiev.

O triunfo de Trump oferece um segundo fôlego ao premiê húngaro no cenário europeu, apesar das tensões com Bruxelas. Nesta quinta (7) e sexta-feira (8), Orbán recebe os dirigentes do bloco para um Conselho Europeu informal em Budapeste com um sorriso nos lábios. Outros dois chefes de governo alinhados com Trump são o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, ambos da extrema direita. Ao parabenizar Trump pelo resultado nas urnas, Meloni elogiou a aliança “inabalável” entre o seu país e os EUA.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o premiê húngaro Viktor Orbán, na Casa Branca em Washington – Foto: Manuel Balce/AP  

Trump x Otan

Desde a primeira vez que chegou ao poder em 2017, Donald Trump prega a retirada dos EUA da Otan. Este ano, o republicano voltou a polemizar ao afirmar que não iria proteger os integrantes da organização que não cumprirem a meta de gastos da aliança militar. Recentemente, Trump deu a entender que deixaria a Rússia fazer “o que quisesse” com os países que não estão contribuindo o suficiente com a Otan.

Uma coisa é certa: com Trump, o fim do compromisso dos americanos em manter o continente europeu seguro é cada vez mais provável e a sua reeleição trará instabilidade. Os países europeus deverão compensar este potencial desligamento dos EUA na segurança da Europa.

Brasil não é prioridade para EUA e relação não deve mudar

A eleição do republicano Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos representa um novo ordenamento internacional – e resta saber como o Brasil vai se inserir nesse contexto.

No entanto, não deve trazer grandes mudanças para as relações bilaterais especificamente, segundo o especialista em relações Brasil-EUA Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da universidade Berea College, no Estado americano do Kentucky.

Em entrevista à BBC News Brasil, Poggio afirma que o desempenho de Trump, que venceu a democrata Kamala Harris na disputa pela Casa Branca na eleição de terça-feira (5/11), mostra “o fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma certa corrente ideológica”.

Há expectativa de que o desempenho do republicano energize movimentos de direita ao redor do mundo.

Jair Bolsonaro e Donald Trump (Foto: Alan Santos/PR)

No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030, é admirador de Trump, e o resultado da eleição americana pode motivar setores do bolsonarismo.

Mas Poggio afirma que isso não deve ter grande impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras.

“Uma lição clara das eleições americanas é que a questão econômica é central. Qualquer outro elemento deixa de ser importante quando a questão econômica se torna central”, afirma.

Relações com Brasil e América Latina

A América Latina em geral, e o Brasil em particular, não figuram na lista de prioridades dos Estados Unidos e isso não deve mudar com o novo governo Trump.

“A América Latina [só] é prioridade americana ligada à agenda da imigração. Qualquer questão além disso não é prioridade nem dos democratas nem dos republicanos”, ressalta Poggio.

“Acho que não tem grandes mudanças [na relação Brasil-EUA]”, afirma.

“Historicamente, a relação Brasil-EUA tem uma certa estabilidade, com algumas pequenas alterações de rota, mas não mudanças expressivas.”

Segundo Poggio, a principal mudança com o novo governo Trump é que os EUA deixam “definitivamente” para trás a proposta de construção de uma ordem internacional, construída logo após a Segunda Guerra Mundial.

Com o republicano, na visão de Poggio, será um país mais isolacionista, nacionalista e protecionista.

“Sabemos, por exemplo, que os europeus vão ter que se reorganizar, sem poder contar mais com a ajuda americana, que prova ser não muito confiável”, diz. “A questão vai ser como outros países, como o Brasil, também vão se organizar.”

Poggio salienta que as iniciativas de caráter global, que requerem cooperação entre países, não devem mais contar com a presença dos EUA.

“Acho que vamos ter uma reorganização dessas iniciativas todas, sem a presença americana. E a questão é quem vai tomar a frente deste processo”, diz.

O analista vê um desmonte da liderança americana e de uma ordem internacional que era liderada, patrocinada e sustentada pelos Estados Unidos.

“Temos essa transformação, que é importante. Esses temas globais todos não afetam apenas a relação Brasil-EUA.”

Poggio observa que pode aumentar o racha que já existe no Mercosul, diante da relação de Trump com o presidente argentino, Javier Milei.

“Mas isso deve ser mais por questões internas, de comportamento do que por alguma política específica do governo Trump”, prevê. “É curioso, porque Milei é um libertário, Trump é um protecionista.”

“É óbvio que há um fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma certa corrente ideológica”, afirma. “A prova de que o eleitor, de fato não, liga muito para caráter ou estilo político ou bons modos quando outras questões estão em jogo.”

Lula e Bolsonaro

A maior preocupação da gestão do presidente Lula com uma vitória de Trump é o provável fortalecimento da extrema-direita brasileira – Foto: Sergio Lima/AFP

O analista acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “cometeu um erro ao dar palpite na eleição americana”.

Poucos dias antes da votação, Lula declarou apoio à democrata Kamala Harris e criticou Trump em entrevista à emissora francesa TF1+.

“Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo aquele ataque ao Capitólio. Uma coisa que era impensável acontecer nos Estados Unidos”, disse Lula.

No entanto, para Poggio, após a confirmação da vitória de Trump, o presidente brasileiro rapidamente tomou “a atitude correta” de parabenizar o republicano.

“Acho que isso é uma boa sinalização de que vai se buscar uma política externa menos focada na relação entre pessoas e indivíduos”, afirma Poggio.

“O grande erro do governo Bolsonaro foi achar que uma boa relação com Trump se traduziria em uma boa relação com os EUA.”

Para Poggio, “é uma lembrança de que a política externa deve ser feita com o cérebro, e não com o coração”.

O analista lembra que a primeira vitória de Trump, em 2016, “abriu caminho para uma série de cópias” e que “algumas delas se comprovaram bem-sucedidas, outras nem tanto”.

Poggio destaca que esse novo estilo de fazer política, consagrado com Trump, inclui a defesa de algumas pautas específicas, principalmente a questão do nacionalismo e uma resistência ao processo de globalização, seja econômica ou cultural.

“É um estilo que deixa de lado qualquer indício de civilidade. A civilidade deixa de ser importante como um processo central na política. A espetacularização da política torna-se mais importante do que qualquer tipo de bons modos”, opina.

Poggio salienta que a vitória de Trump pode motivar a base do bolsonarismo, mas não acredita que isso terá impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras que, assim como ocorreu nos EUA, devem ter como questão principal a economia.

“A percepção do americano de que a economia vai mal foi decisiva para a derrota de Kamala Harris”, diz, ressaltando o destaque para o custo de vida. “Seja por dados concretos ou pela própria falta de comunicação do Partido Democrata.”

Para o analista, esta é a “lição fundamental dessas eleições norte-americanas”.

“Se o Brasil estiver indo bem economicamente, isso favorece o governo. Se não estiver indo bem, não favorece.”

Com agências