AnúncioAnúncio

Justiça

Inglaterra

Julgamento de mineradora por desastre em Mariana chega ao fim em Londres

O julgamento sobre o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais em 2015 chega ao fim. A decisão da corte, que pode responsabilizar a mineradora BHP pelo maior desastre ambiental do Brasil, vai ser anunciada no meio do ano.


O julgamento teve início em outubro de 2024 e foi encerrado nesta quinta-feira, 13 de março de 2025

Os valores calculados no acordo de repactuação brasileiro poderão ser adiantados a atingidos e prefeituras no processo inglês, movido pelo escritório Pogust Goodhead em Londres contra a BHP, caso vençam o julgamento de responsabilização pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais.

Continua depois da Publicidade

As alegações finais foram ouvidas nesta quinta-feira (13) na Royal Courts of Justice, em Londres, e uma sentença de culpa parcial, total ou absolvição será proferida em maio deste ano.

A BHP é acionada em Londres por ser inglesa e australiana. Ao lado da Vale, é sócia da Samarco, a mineradora que operava a barragem.

O prefeito de Mariana (MG), Juliano Duarte (PSB), esteve em Londres para acompanhar a reta final do julgamento envolvendo ação contra a mineradora australiana BHP, pedindo que a companhia seja responsabilizada pelo desastre ambiental na cidade.

“Esperamos que esse recurso que vamos ganhar possa mudar a história da cidade, promover a diversificação da economia com investimentos robustos para que Mariana não seja tão dependente da mineração como é hoje”, disse o prefeito Juliano Duarte.

Além do prefeito, três vítimas afetadas pelo rompimento da barragem — Gelvana Rodrigues, Monica dos Santos e Pamela Fernandes — também estiveram presentes nas sessões. A expectativa é que a decisão da corte inglesa saia ainda em 2025.

A ação, liderada pelo escritório Pogust Goodhead, especializado em ações coletivas envolvendo violações de direitos humanos e meio ambiente, representa mais de 620 mil clientes, entre pessoas, comunidades, municípios e empresas.

Rompimento de barragem em Mariana foi em 5 de novembro de 2015

Da direita para a esquerda, Gelvana Rodrigues, Pamela Fernandes e Monica dos Santos, familiares de vítimas do desastre em Mariana, protestam em frente à Suprema Corte em Londres. (13/03/2025) – Foto: Kin Cheung/AP

Está nas mãos da Justiça inglesa a decisão sobre uma indenização bilionária a 620 mil vítimas e 31 municípios brasileiros afetados pelo maior desastre ambiental da história do país, ocorrido há uma década. As alegações finais da ação coletiva, a maior do mundo, movida contra a mineradora anglo-australiana BHP na corte de Londres, se encerraram nessa quinta-feira (13).

A multinacional BHP e a brasileira Vale, que fez um acordo e ficou de fora do processo, são donas da Samarco, que operava a barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais. O julgamento, que começou em 21 de outubro do ano passado, interrogou sete testemunhas que estiveram em postos importantes da BHP, sobre nível de controle que a empresa tinha da barragem de Mariana, a mitigação dos riscos – considerados altos antes de seu colapso – e a resposta da mineradora após o rompimento.

José Eduardo Cardozo,  ex-ministro da Justiça e parte do time de advogados que representam as vítimas do caso, está certo de que a BHP será condenada. “Tenho a convicção de que a prova produzida da responsabilidade da BHP é avassaladora. Não há como dizer que eles não têm responsabilidade. A prova é mortal”, adicionou Cardozo.

BHP reitera não ser responsável pelo rompimento

Foto: Reprodução

Em nota, a BHP repetiu que nada tem a ver com o desastre da barragem operada, segundo a empresa, de forma independente pela Samarco no Brasil. No entanto, no fim do ano passado, a BHP, Samarco e Vale aderiram a um acordo de repactuação indenizatória de R$ 170 bilhões em reparação de danos.

Apesar da pressão, 31 municípios não aderiram a esse acordo e permaneceram no caso na corte inglesa.

Durante o julgamento em Londres, foram ouvidos também 10 especialistas, indicados pelos autores da ação e pelos réus, em questões técnicas e jurídicas brasileiras como Direito Civil, Direito Societário e Direito Ambiental, além da legitimidade de municípios para litigar fora do Brasil.

Familiares de vítimas acompanham audiências

Na opinião do ex-ministro José Eduardo Cardozo, essa ação serve de lição ao mundo ao conscientizar violadores de direitos humanos e do meio ambiente de que podem ser processados e punidos em qualquer lugar do planeta.

“Se houvesse um tribunal na lua, eu defenderia pegar uma foguete que lá fossem processados também. A lição que fica de um processo como esse é tão relevante quanto a reparação que se faz para as vítimas. Por isso eu acho que essa ação é paradigmática”, concluiu Cardozo.

Foto: Antônio Cruz/ABr

Estimativas internas da mineradora, mostradas no tribunal, previam até 100 mortes com o colapso da barragem e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima. Dezenove pessoas morreram e uma jovem grávida sobrevivente perdeu o bebê. Os impactos ambientais, emocionais e econômicos são sentidos na região até hoje. Três mães que perderam seus filhos no rompimento da barragem voltaram à Londres para o fechamento do caso.

“Foi uma luta grande e muito dolorosa, mas aquele ar que a justiça vai ser feita traz um pouquinho de paz pra gente”, desabafou, emocionada, Pamela Fernandes.

O parecer final da corte inglesa só deve sair em meados do ano. Já o valor indenizatório, se a BHP for considerada culpada, só será definido mais tarde.

Barragem

O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, ocorreu em 5 de novembro de 2015. A ruptura lançou 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e lama na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, entre Minas Gerais e o mar no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram, e mais de 700 mil foram atingidas.

Bombeiros vasculham por vítimas em Bento Rodrigues em meio à lama do rompimento da Barragem do Fundão – Foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

“A BHP tentou se esquivar dizendo que foi a Samarco a responsável pelo rompimento. Que só era sócia e não operava a barragem. Todos os argumentos da BHP foram expostos como sendo uma falácia. Ouvimos provas e evidências da responsabilidade da BHP pelo rompimento ao longo de todo julgamento”, afirma Tom Goodhead.

“O mundo deve entender o que essa companhia (BHP) fez. Obrigou centenas de milhares de vítimas a viajar metade do mundo para ter justiça. É um dos comportamentos corporativos mais terríveis já vistos por uma multinacional. Vai passar pela história como o pior escândalo corporativo do mundo. Foi muito impressionante ver a coragem e a resistência dos nossos clientes”, afirma o CEO do escritório internacional.

“O rompimento da barragem de Fundão da Samarco em 2015 foi uma tragédia, e nossa solidariedade permanece com as famílias e comunidades atingidas”, declarou a BHP.

LINHA DO TEMPO

Processo internacional de Mariana

21 de setembro de 2018 – Escritório de advocacia inglês, atualmente denominado Pogust Goodhead, anuncia ingresso com uma ação de 5 bilhões de libras em cortes do Reino Unido contra a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale. Processo com 200 mil atingidos é protocolado em 2 de novembro

26 de outubro de 2018 – Ministérios e defensorias públicas assinam com mineradoras acordo de não prescrição de indenizações

22 a 31 de julho de 2020
Advogados dos atingidos e da BHP Billiton levam o caso internacional ao Centro de Justiça Cível em Manchester. Em 9 de novembro, o juiz nega o caso

30 de setembro de 2020 – Sem avanços, MPF, MPMG, DPU, DPES e DPMG retomam a ação civil pública de R$ 155 bilhões

23 de março de 2021 – Corte de Apelação em Londres nega o recurso aos atingidos e extingue o caso

22 de junho de 2021 – Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta uma repactuação

27 de julho de 2021 – Tribunal de Apelação da Royal Courts of Justice de Londres admite o recurso dos atingidos e reabre o processo internacional

8 de julho de 2022 – Tribunal de Apelação de Londres decide que todas as questões trazidas pelos atingidos poderão ser julgadas em processo no Reino Unido contra a BHP Billiton.

8 de setembro de 2022 – Repactuação mediada pelo CNJ falha

30 de janeiro de 2023 – Novo grupo de trabalho é formado no governo federal. Em julho há novas negociações

20 de junho de 2024 – O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de municípios brasileiros apresentarem ações judiciais no exterior

21 a 25 de outubro de 2024 – Começa o processo em Londres, com 620 mil atingidos, 1.500 empresas e 49 prefeituras. Eles pedem R$ 260 bilhões. São ouvidas as declarações iniciais de advogados de atingidos e da BHP. No dia 25 os governos federal, estadual, instituições de justiça e mineradoras assinam o acordo de repactuação no valor de R$ 170 bilhões

28 de outubro a 14 de novembro de 2024 – Testemunhas da BHP interrogadas sobre o nível de controle da mineradora sobre a barragem, sua segurança e sua conduta após o colapso. Em 6 de novembro o STF homologa o acordo de repactuação brasileiro

18 e 19 de dezembro de 2024 – Tribunal ouve os especialistas em Direito Civil, incluindo prescrição e renúncias, Direito Societário e Direito Ambiental

13 a 17 de janeiro de 2025 – Oitiva de especialistas em questões geotécnicas

Até junho de 2025 é aguardada uma sentença

Foto Capa: Migalhas