Projeto na Câmara pode engessar educação em modelo fracassado e dar mais poder a sindicatos

Em uma análise rasa deste projeto, pode-se observar o engessamento do sistema de ensino e o poder indo para mãos erradas, diz especialista – Foto: Reprodução
A proposta, de autoria do senador Flávio Arns (Rede-PR), já foi aprovada no Senado e está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados.
O texto do PLP 235/2019 apresenta propostas que impõem ao Estado pautas corporativistas, criam mecanismos que impedem o controle e a participação das famílias e aumentam a centralização das decisões, em oposição à autonomia das redes de ensino.
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Caso seja aprovada, as decisões sobre políticas públicas e distribuição de recursos para a educação ficariam a cargo de comissões tripartites, compostas por representantes dos Ministérios da Educação e da Economia, de estados e municípios, por ONGs e entidades sindicais.
“A escola mesmo terá pouco poder decisório, e a família, zero. Eu vejo como um projeto totalmente totalitário”, afirma Anamaria Camargo, especialista em educação.
Educação baseada em evidências científicas, como a de Sobral, terá de passar pela barreira de ONGs e sindicatos
Anamaria alerta que o SNE, caso seja aprovado, prejudicará qualquer iniciativa que conteste o modelo fracassado de educação pública defendido hoje no Brasil por ONGs e sindicatos que não usam evidências científicas. Segundo ela, até mesmo casos de sucesso, como o sistema de Sobral, município cearense que é modelo na alfabetização infantil, devem ser prejudicados.
“(Hoje) ninguém impede que outros municípios repitam o exemplo inovador de Sobral. Mas, na verdade, se já estivesse valendo o Sistema Nacional de Educação, o município de Sobral não conseguiria fazer o que faz, porque ele teria que submeter a decisão de organização do sistema local deles a essa comissão”, explica.
Sobral adota sistemas criticados por ONGs e sindicatos, como alfabetização que inclui etapas como a abordagem fônica e técnicas de fluência, que têm comprovação científica. Sobral já adotou ainda um sistema de meritocracia por resultados, com bônus a melhores professores, o que é visto com assombro pelos sindicatos.

O Sistema Nacional de Educação (SNE) prevê que políticas públicas e distribuição de recursos para a educação fiquem a cargo de comissões tripartites, Ministérios da Educação e da Economia, de estados e municípios, por ONGs e entidades sindicais Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
SNE não prevê parâmetros de qualidade e dificulta a inovação
Entre o conjunto preocupante de dispositivos apresentados no texto da proposta do SNE, Anamaria destaca ainda a falta de parâmetros objetivos para medição de resultados e a ausência de propostas para os entes da federação que não atingirem os resultados.
“Não há qualquer previsão de responsabilização do ente estatal para o não cumprimento (de metas) da qualidade, que eles nem chegam a definir. No PNE, fala-se em ‘qualidade socialmente aceita’, que não significa nada”, diz. “Essa fuga de se responsabilizar, de assumir que você está tomando recursos da sociedade sem se comprometer sequer com um mínimo de qualidade do que você está propondo, para mim, é um dos piores defeitos.”
Outro problema é o fato de o SNE vincular a oferta de vagas e recursos a acordos estaduais, o que pode ser interpretado como um entrave à diversidade de opções educacionais. Ou seja, se estados e municípios quiserem trazer métodos inovadores de ensino, com mais exigência de alunos e professores, podem perder financiamento público, mesmo apresentando melhores resultados. Parlamentares favoráveis à liberdade de escolha defendem que a retirada do caráter “obrigatório” dessa pactuação seria suficiente para resguardar o direito das famílias, ao mesmo tempo em que preservaria a coesão do sistema.
Contratação de professores só por concurso e distribuição de recursos por aluno sem exigências de aprendizado
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que foi relatora na subcomissão criada para analisar o SNE, aponta outros dois pontos problemáticos da proposta: a proibição de contratar professores sem concurso (mesmo em casos de urgência ou escassez) e o chamado “Custo Aluno Qualidade” (CAQ), que distribui recursos sem exigir em troca critérios de aprendizado.
“Apesar de o ideal ser a contratação de professores por concurso público, sou contra estabelecer que toda contratação deva ser exclusivamente por essa via, pois a realidade das redes de ensino exige um mínimo de flexibilidade para lidar com situações imprevistas, como licenças, afastamentos e variações na demanda por turmas e disciplinas. Impor a exclusividade do concurso pode engessar a gestão educacional e dificultar a manutenção do funcionamento regular das escolas, especialmente em contextos de urgência ou escassez de profissionais em determinadas áreas, prejudicando ainda mais os estudantes”, afirma.
O CAQ, por outro lado, previsto no artigo 37 do PLP, estabelece um valor mínimo de recursos para a educação de acordo com a quantidade de alunos, deixando nas mãos das comissões (formadas por ONGs e sindicatos) como deverão ser gastos esses recursos, sem exigência de parâmetros de aprendizagem.
Centralização de poder previsto no SNE ameaça a liberdade e a autonomia
Em 2024, a Associação Guardiões da Infância e Juventude chegou a publicar uma nota técnica, encaminhada também aos parlamentares, na qual elencava pontos críticos do projeto. No documento, a ampliação de obrigações financeiras pelo Estado, sem vinculação a uma melhoria técnica, identificada no artigo 3º, a criação de novas instâncias de poder decisório, retirando autonomia das famílias e de outras esferas de poder, e a criação de indicadores de qualidade que não focam na evolução dos alunos, como o CAQ, são criticados.
O documento ainda pontua o excesso de normas sobre educação vigentes no país hoje, destacando que o SNE concentraria ainda mais poder no Estado, violando inclusive o Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no item 3, que estabelece a prioridade que os pais têm na escolha do tipo de instrução formal que será ministrada aos filhos.
A doutora em Política Educacional pela PUC-RJ e ex-secretária de Educação Básica do MEC, Ilona Becskeházy, explica que as raízes do projeto evidenciam o caráter autoritário do texto.
“Todo o desenho desse projeto é para dar aos sindicatos, em especial à CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e ao Fórum Nacional de Educação o controle total de todas as políticas educacionais, inclusive no setor privado! É altamente opressivo, nada democrático e um desrespeito franco à nossa Constituição”, afirma.
Ilona comenta que o andamento do projeto acelerou durante o governo Bolsonaro. “Era uma maneira de neutralizar o Ministério da Educação que estava ganhando tração para fazer uma série de reformas importantes”, explica.
A CNTE, explica Ilona, é vinculada à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e um braço do Partido Comunista do Brasil. Com isso, a pauta do Sistema vem carregada de um viés ideológico totalitário, o que explica o texto com pouca abertura a outros sistemas de educação, como vouchers educacionais (quando os pais recebem um valor do Estado para colocar os filhos em escolas particulares), escolas charter (em parceria com a iniciativa privada) e até a inviabilização do ensino domiciliar, pauta que aguarda regulamentação no país.
“Eles querem sufocar qualquer opção. Querem acabar com escola cívico-militar, mas há uma demanda na sociedade, então politicamente é custoso. Todos os ‘respiros’ que se der, eles são contra, porque eles querem 100% do controle. Esse projeto é nefasto. Nenhum deputado que não seja do PSOL ou do PT pode votar a favor de uma barbaridade dessas”, diz.
Quanto ao investimento público em educação, Ilona comenta que não há provas ou estudos sérios que comprovem a relação entre mais dinheiro investido e melhores resultados acadêmicos. Redes de ensino bem-sucedidas utilizam recursos relacionados a indicadores de melhor aprendizagem dos alunos e à exigência de desempenho dos professores.
“Em relação ao financiamento, não existe nenhum estudo sério no Brasil que mostre que mais dinheiro melhora a educação. Isso é uma falácia que colocam na nossa cabeça para drenar mais dinheiro da sociedade para o setor educacional e para seus fornecedores e sindicatos. Não há nenhuma prova.”