O Banco Central unido supera pressão do governo e reduz ruído sobre a política monetária. A dúvida é se Lula terá capacidade para enxergar além do curtíssimo prazo e compreender que o resultado desta quarta não é ruim, como parece pela ótica petista.
A decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 10,5% na noite desta quarta-feira, 19, é menos importante do que o sinal dado pelos nove diretores que compõem o Comitê de Política Monetária (Copom). A votação unânime mostrou que o colegiado conseguiu superar o racha da última reunião, em maio, e, mais do que isso: suportar a forte pressão política que vinha do Palácio do Planalto pela continuidade da queda dos juros.
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Especialmente o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, demonstrou independência em relação ao governo e sugeriu que uma possível indicação à presidência do Banco no final do ano não significará subordinação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em outras palavras, Galípolo ganhou credibilidade – e isso levará a juros mais baixos para o País, a partir do ano que vem, caso sua indicação se confirme.
O presidente afirmou que hoje o Brasil vive um cenário que exige juros mais baixos para convencer os empresários a investir no País e comparou Campos Neto com o ex-juiz Moro, ao dizer que o chefe do BC tem mesmo papel, “com rabo preso a compromissos políticos”.
No comunicado da decisão, o Copom reiterou que os juros terão de continuar em nível restritivo. “A política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, diz o texto.
Segundo o Copom, “eventuais ajustes futuros” na taxa básica de juros serão ditados pelo “firme compromisso” de convergência da inflação à meta. O comitê reiterou que, diante de um processo de desinflação mais lento, da desancoragem das expectativas e do cenário global desafiador, é necessário ter “serenidade e moderação na condução da política monetária.”
O comitê reiterou que o cenário externo continua “adverso”, devido à incerteza “elevada e persistente” sobre a velocidade da desinflação global. As dúvidas sobre o início da flexibilização monetária nos Estados Unidos também pesam, afirmou o colegiado.

Racha entre diretores na reunião de maio levantou suspeitas de que poderia haver uma divisão política dentro do Copom e gerou ruídos no mercado. Foto: Wilton Junior/Estadão
“Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho”, diz o comunicado. “O comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.”
O colegiado manteve seu balanço de risco inalterado no comunicado, destacando que permanecem fatores de risco em ambas as direções. O documento cita dois riscos para alta do cenário inflacionário: a maior persistência das pressões inflacionárias globais e a maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada.
Já para os riscos de baixa, o Copom destacou a desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada e impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global mais fortes do que o esperado. “O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária”, diz o comunicado.
O próximo encontro do Copom está previsto para os dias 30 e 31 de julho.
Juros reais
O País segue em segundo lugar no ranking mundial dos juros reais (descontada a inflação à frente). Segundo levantamento do site MoneyYou com 40 economias, o Brasil passa a ter uma taxa de juros real de 6,79%, apenas atrás da Rússia (8,91%). Em terceiro, aparece o México (6,52%).
A média das 40 economias pesquisadas é de 0,36%. Até a informação mais recente divulgada pelo BC, o juro neutro brasileiro, que não estimula nem contrai a economia e, consequentemente, não acelera nem alivia a inflação brasileira, era estimado pela instituição em 4,5%. Em reunião do mercado com o BC no início deste mês, economistas cogitaram a possibilidade de o juro real neutro já estar próximo da casa de 6%.
Projeções de inflação
As projeções oficiais do Banco Central para a inflação voltaram a subir. No cenário de referência, que utiliza câmbio conforme a Paridade do Poder de Compra (PPC) e juros do Relatório de Mercado Focus, o BC alterou a projeção do IPCA de 2024 de 3,8% para 4,0%. Para 2025, a atualização foi de 3,3% para 3,4%.
Também considerando o cenário de referência, o BC atualizou as projeções para os preços administrados. Em 2024, a estimativa passou de 4,8% para 4,4%. Já em 2025, manteve-se em 4,0%. Nesse cenário, o BC considera ainda que o preço do petróleo deve seguir aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passar a aumentar 2% ao ano na sequência. Também adota a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2024 e 2025.
No mercado, a expectativa de inflação do Boletim Focus deste ano disparou entre os dois encontros do Comitê (de 3,72% para 3,96%) e a para 2025, foco principal da política monetária, também aumentou significativamente – de 3,64% para 3,80%.
Tanto as projeções do Copom quanto as do mercado seguem bem acima da meta contínua, de 3,00% que deve ser oficializada pelo governo na semana que vem. Para horizontes mais longos, o Focus também mostra desancoragem.