
Mulher foi condenada à prisão perpétua por vender a própria filha – Foto: AFP
Um tribunal da África do Sul condenou, nesta quinta-feira (29), Racquel Smith à prisão perpétua por sequestrar e vender sua própria filha de seis anos. Outros dois acusados também receberam a pena máxima por tráfico de pessoas, além de 10 anos por sequestro. A sentença foi proferida pelo juiz Nathan Erasmus e encerra um caso que abalou a opinião pública sul-africana e mobilizou autoridades em nível nacional.
A menina, Joshlin Smith, desapareceu em fevereiro de 2024 em Saldanha Bay, uma cidade pesqueira a cerca de 135 quilômetros da Cidade do Cabo. Desde então, ela nunca mais foi vista. A mãe foi considerada culpada por ter vendido a filha por aproximadamente US$ 1.100 (cerca de R$ 6.250), supostamente a um curandeiro interessado nos olhos verdes e na pele clara da criança.
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Durante a audiência, Smith permaneceu impassível. No início das investigações, ela chegou a comover o país, recebendo apoio popular e motivando uma grande operação de buscas. Fotos da menina foram amplamente compartilhadas nas redes sociais, e até um ministro ofereceu uma recompensa de um milhão de rands (cerca de R$ 307 mil) pelo retorno da criança.
Contudo, o caso tomou um rumo chocante após as revelações dos promotores, que acusaram a mãe de envolvimento direto no desaparecimento da filha. O caso ilustra um problema crescente na África do Sul, que enfrenta índices alarmantes de criminalidade e um aumento nos casos de sequestro infantil.
Justiça Brasileira Adota Rigor em Casos Semelhantes
No Brasil, crimes de tráfico de pessoas, especialmente envolvendo menores, também são tratados com severidade. De acordo com o Código Penal Brasileiro, o tráfico de pessoas pode resultar em penas de até 12 anos de reclusão, podendo ser agravadas conforme as circunstâncias — especialmente quando envolvem crianças ou adolescentes. Em casos que envolvem familiares como autores do crime, a Justiça brasileira costuma aplicar penas mais severas, entendendo a violação do dever de proteção como circunstância agravante.
Além disso, o país é signatário de tratados internacionais de combate ao tráfico humano, como o Protocolo de Palermo, o que reforça o compromisso das autoridades em punir exemplarmente esse tipo de crime. A atuação integrada entre Ministério Público, Polícia Federal e órgãos de direitos humanos tem sido fundamental para coibir essas práticas e oferecer suporte às vítimas.
Sequestro internacional de crianças volta a debates do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a debater, nesta quarta-feira (28), a aplicação da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças no Brasil.
A Corte também retomará a discussão sobre a repatriação de menores vítimas de violência doméstica. Ambos os debates estão relacionados ao tratado da Convenção de Haia.
A decisão do STF a respeito da ADI 4245, apresentada pelo então partido Democratas (atual União Brasil), é considerada paradigmática e pode influenciar a atuação de diversos países signatários da Convenção, cujo tratado foi firmado em 1980 e adotado por 104 países.
A convenção tem como objetivo garantir o retorno imediato de crianças retiradas ou retidas indevidamente de seu país de residência habitual. No entanto, o próprio tratado internacional prevê exceções ao retorno automático, justamente para proteger os direitos fundamentais da criança e do adolescente – o que está no centro da discussão da Corte.
A principal controvérsia gira em torno do chamado sequestro internacional, que ocorre quando um dos pais leva a criança ao exterior sem o consentimento do outro ou não a devolve ao país de residência ao fim do período autorizado.
A advogada Mariana Zan, do Instituto Alana, destaca que é preciso colocar no centro do debate o interesse da criança e do adolescente em cada caso. “A criança não é sempre escutada. A gente vai decidir a vida dessa criança ou adolescente, e eles não são ouvidos. Há uma lei no Brasil para participação de crianças, por meio da escuta especializada e do depoimento especial. Há ferramentas para que essas crianças sejam ouvidas”, pontua.
A decisão brasileira está sendo acompanhada por outros países signatários da Convenção de Haia. Alguns governos já sinalizaram que podem seguir o posicionamento do STF – o que pode colocar o Brasil como referência internacional no tema.
“A decisão que o STF vai impactar na relação do Brasil com outros países signatários da Convenção de Haia. Importante ter em mente que o Brasil é um país referência em relação ao direito de crianças e adolescentes. Por exemplo, se o STF decidir acrescentar a violência doméstica como uma hipótese para exceção de um não retorno, impacta num dispositivo internacional que outros países adotam também”, explica a advogada.
Exceções
A Convenção de Haia prevê algumas exceções ao retorno da criança ao país do genitor solicitante. Dentre elas estão o risco de perigo — podendo ser de ordem física ou psíquica —, a alienação parental, a violência doméstica do genitor solicitante, bem como a adaptabilidade da criança ao novo país.
A outra ação (ADI 7686) prevista na pauta da Corte foi apresentada pelo PSOL. A ação questiona um dos pontos da convenção e pretende que, se o motivo da vinda da criança para o Brasil for a violência contra a mãe, o caso também se enquadre nessas exceções. Ou seja, se houver essa situação, que se proíba o retorno da criança ao país de origem.
“Esperamos uma interpretação à luz do que temos hoje em termos de garantias de crianças e adolescentes. Hoje já temos um arcabouço muito mais especializado e protetivo. A criança e o adolescente precisam estar no centro da discussão e da decisão”, enfatiza Mariana.