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Justiça

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Fux gera incômodo no STF ao se descolar de Moraes após 500 casos do 8 de janeiro

Até a semana passada, o ministro era considerado alinhado à corrente liderada pelo relator dos casos, Alexandre de Moraes, o que reforçava uma imagem de unidade em torno das decisões do tribunal diante de críticas de bolsonaristas à condução dos processos.


A mudança de postura do ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), em relação às condenações de réus do 8 de janeiro provocou incômodo entre integrantes do tribunal.

Até a semana passada, o ministro era considerado alinhado à corrente liderada pelo relator dos casos, Alexandre de Moraes, o que reforçava uma imagem de unidade em torno das decisões do tribunal diante de críticas de bolsonaristas à condução dos processos.
Fux acompanhou Moraes em quase todas as 500 condenações relacionadas aos ataques. Na semana passada, o ministro reviu a adesão e apresentou publicamente questionamentos sobre um caso tornado simbólico pelo bolsonarismo -o da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a estátua que fica em frente ao Supremo.

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Dois ministros ouvidos sob reserva pela reportagem afirmam que, em processos de grande repercussão, Fux costuma levar em conta avaliações externas sobre a atuação do Supremo -manifestações populares, da mídia, de comunidades políticas e de círculos jurídicos. Este seria o caso agora, na avaliação desses integrantes da corte.

O incômodo ficou ainda maior devido às palavras usadas por Fux. Ele disse que iria exercer a “humildade judicial” para rever “erros” cometidos no decorrer dos processos contra os acusados de participar dos ataques golpistas.

Ainda que o anúncio da revisão do processo tenha pegado colegas de Supremo de surpresa, essa não é a primeira vez que o ministro muda de posição em casos rumorosos.

Em 2020, por exemplo, reviravolta no julgamento que vetou a reeleição da cúpula do Congresso foi creditada à sua rendição à pressão da opinião pública.

Na ocasião, Fux divergiu do relator, Gilmar Mendes, e votou para declarar inconstitucional a recondução dentro da mesma legislatura, barrando nova presidência de Davi Alcolumbre (então DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) no Senado e da Câmara, respectivamente.

Na ocasião, segundo três ministros ouvidos pela Folha de S.Paulo, o magistrado havia se comprometido a votar a favor da tese que abriria caminho para a recondução dos parlamentares.

Nos casos do 8 de janeiro, boa parte das críticas feitas ao tribunal foca o rigor das penas impostas. O tema ganhou a atenção de Fux, que pediu mais tempo para análise do tema justamente durante uma sessão de grande apelo popular -aquela que tornou réus Jair Bolsonaro e outros sete acusados.

Até o momento, Fux acompanhou Moraes nas maiores condenações dadas aos presos pelos ataques de 8 de janeiro. Foram 45 condenados à pena de 17 anos. Em todos esses casos, o ministro acompanhou o voto de Moraes integralmente, mesmo quando outros colegas fizeram propostas de penas mais brandas.

Fux é conhecido pelos colegas como um ministro de mão pesada em matéria penal. Uma marca que ele pretendia deixar quando foi presidente do Supremo (2020-2022), inclusive, era o aumento de condenações criminais de políticos envolvidos na Operação Lava Jato.

Foi com esse intuito que ele articulou a aprovação de uma emenda regimental que retirou o julgamento das ações penais das turmas -quando especialmente a Segunda Turma vinha impondo diversas derrotas à operação- e enviou os casos ao plenário.

Em dezembro de 2023, ele ficou vencido quando a corte devolveu a matéria às turmas. Foi, inclusive, nesse ponto que ele divergiu de Moraes na análise de pedidos preliminares da acusação da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Bolsonaro e os outros sete réus.

“Pior do que o juiz que não sabe direito é o juiz incoerente. Peço vênia para manter minha posição, até porque não é tão pacífica assim”, justificou.

Assessores próximos a Fux disseram que, em relação a Débora, ele ficou sensibilizado e tomou a decisão de suspender o julgamento como uma forma de baixar a tensão em torno da corte, que vinha sofrendo críticas pelo caso.

O ministro citou a cabeleireira na sessão que tornou Bolsonaro réu, quando foi o único na Primeira Turma a apresentar uma divergência e questionamentos mais contundentes em relação a Moraes.

“O ministro Alexandre, em seu trabalho, explicitou a conduta de cada uma das pessoas. E eu confesso que, em determinadas ocasiões, eu me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, dando satisfação à Vossa Excelência, que eu pedi vista desse caso. Eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”, disse na quarta (26).

Moraes respondeu ao colega durante a sessão e afirmou que “não foi uma simples pichação” e que a ré ficou em acampamento e aderiu a uma tentativa de golpe. Dois dias depois, concedeu a ela prisão domiciliar.

A iniciativa de Fux de dar mais atenção a esse conjunto de processos é vista mais como uma demarcação de posição do que como uma deflagração de confronto. O ministro tem tanto a preocupação com as vozes críticas à corte como com a manutenção dos laços no tribunal.

Como sinal disso, Fux avisou a Moraes previamente sobre o pedido de vista do caso de Débora e sobre os questionamentos que faria durante as sessões do recebimento da denúncia.

Os dois mantêm uma boa relação nos bastidores. No plenário, sentam-se lado a lado e trocam comentários frequentes ao longo das sessões, bem como nos intervalos.

Fux presidiu o STF num período em que os ataques de Bolsonaro à corte recrudesceram, como aponta a própria PGR na denúncia sobre a tentativa de golpe. Ele já defendeu o STF e Moraes nessas situações.

Em sua gestão, buscou manter relações institucionais com o ex-presidente. Era ele quem auxiliava o antecessor Dias Toffoli em diálogos com o Palácio do Planalto.

Pouco depois de assumir o comando da corte, Fux recebeu Bolsonaro. A reunião durou cerca de 45 minutos e aconteceu sem a presença de assessores ou ministros.