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Crime organizado impede crescimento econômico na América Latina, diz Banco Mundial

O combate ao crime organizado é um dos problemas mais urgentes na América Latina e no Caribe, porque, entre outros motivos, dificulta o crescimento econômico. A afirmativa está no relatório do Banco Mundial. Segundo o documento, as taxas de homicídio na região "excedem demasiadamente outras observadas em qualquer outro lugar”.


O Banco Mundial alerta que o crime organizado tem atrasado a economia e que existe a possibilidade de a região ficar presa “num crescimento anual medíocre”. A estimativa, segundo o Banco, é que a economia cresça 2,1% em 2025 e 2,4% em 2026, tornando a América Latina a região com a menor taxa de crescimento do mundo, o que é um paradoxo dada a riqueza de recursos naturais.

O relatório divulgado nesta semana acusa o crime organizado de frear o desenvolvimento econômico, impondo suas próprias regras comerciais por meio de violência.

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O documento assinado pelo Banco Mundial reconhece o controle territorial que grupos ligados ao crime organizado exercem. O relatório é taxativo ao afirmar que isso implica uma pilhagem constante da população por meios ilegais, como a extorsão e a criação de um ‘imposto’ sobre determinados serviços e produtos. “Chegam até a exercer o monopólio desses serviços e produtos”, explica David Barrios, pesquisador da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México) e doutor em Estudos Latino-Americanos.

De acordo com o Banco Mundial, a América Latina é uma região de “baixa produtividade, pobreza e altos níveis de desigualdade”. Soma-se a isso o fato de que o crime organizado está presente em diversos segmentos da economia; desde pequenos negócios em bairros modestos até indústrias.

Crime organizado se adapta rapidamente

O Banco Mundial relata que as atividades econômicas do crime organizado se adaptam ao atual contexto internacional, marcado pela incerteza gerada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua guerra comercial.

“A sistemática da economia criminosa funciona como a economia formal. Se o crime organizado considerar que determinadas áreas foram afetadas pela imposição de dívidas, a identificação é imediata e a incorporação é feita em seu portfólio de atividades”, explicou o pesquisador Barrios, que trabalha no departamento de Economia do Conhecimento e Desenvolvimento da UNAM.

Presos fizeram agentes reféns durante rebelião em Manaus, 02/05/2020 – Foto: Chico Batata/Divulgação

Brasil e o Estado Paralelo

No Brasil, o crime organizado se infiltra em grandes setores da economia, como mineração, mercado imobiliário, comércio de combustíveis e transporte público, e, cada vez mais, impacta o crescimento econômico do País.

Um raio-X divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Esfera Brasil mostra que 72 facções criminosas estão presentes no País, incluindo duas transnacionais. E elas podem faturar cerca de R$ 335 bilhões apenas com o fluxo ilegal de algumas drogas – o equivalente a 4% do PIB brasileiro.

Roberto Mangabeira Unger, professor de Harvard e ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, alega que essas complexas organizações criminosas atuam como um “Estado paralelo” no País.

“O crime organizado é basicamente um fenômeno da omissão ou da fraqueza do Estado. Ele prospera e se desenvolve assumindo e desenvolvendo funções do Estado, oferecendo à população benefícios que o Estado daria”, explica Mangabeira.

Porém, segundo o professor, esse tema, que domina o debate brasileiro sobre a violência, embora seja grave e considerável, não responde diretamente pelos altos números da violência nas cidades, ao contrário do que muitos pensam.

“O crime organizado, contrariamente ao que parece, não é o fenômeno predominante, mas, sim, o crime episódico, corriqueiro, do dia a dia, porém frequentemente violento. E o crime episódico não é um produto da omissão do Estado, mas da própria desorganização da sociedade”, conclui.

Rio de Janeiro a cidade do CV

O Comando Vermelho (CV) tem um domínio territorial significativo no Rio de Janeiro, expandindo-se na região metropolitana e capital. Em 2023, o CV foi o único grupo armado a registrar aumento de domínio territorial, com uma alta de 8,4% em relação ao ano anterior. 

A cidade do Rio de Janeiro se tornou um dos principais destinos para membros da facção oriundos do Pará em aumento de territórios e membros – Foto: Reprodução

A facção disputa o controle de territórios com milícias e outras facções, com alguns bairros da Zona Oeste, como Rio das Pedras e Catiri, sendo focos de intensa disputa. Operações policiais têm sido realizadas para conter o avanço do CV, especialmente na Zona Oeste.

Detalhes sobre o domínio do Comando Vermelho:
  • Aumento de Domínio:
    O CV apresentou aumento de 8,4% no domínio territorial na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2023. 

  • Áreas de Domínio:
    O CV domina diversas áreas, incluindo favelas, comunidades e até bairros da Zona Oeste, como Rio das Pedras, Itanhangá e Jacarepaguá. 

  • Disputas Territoriais:
    O CV disputa o controle de territórios com milícias e outras facções, como o Terceiro Comando Puro (TCP). 

  • Operações Policiais:
    Operações policiais, como a “Operação Contenção”, são realizadas para conter o avanço do CV e combater o crime organizado. 

  • Atividades Ilícitas:
    O CV é conhecido por atividades ilícitas como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, roubos, entre outros. 

  • Conflito com outras Facções:
    O CV tem conflitos com outras facções criminosas, como o Terceiro Comando Puro e o Primeiro Comando da Capital (PCC). 

  • Atuação no Estado:
    O CV atua não apenas no Rio de Janeiro, mas estendeu sua atuação em outros estados e até em outros países. 

Quebrando o padrão de operações policiais em territórios dominados pela facção Comando Vermelho (CV), como é o caso do Jacarézinho, as outras regiões ocupadas, localizadas na zona oeste do Rio de Janeiro, estão sob gestão das crescentes milícias – Foto: Reprodução

Exemplos de ações do CV:

  • Ataques a Delegacias:
    Ações criminosas como ataques a delegacias têm sido realizadas por membros do CV. 

  • Ataques a Empresas de Internet:
    O CV tem sido envolvido em ataques a provedores de internet, exigindo dinheiro e promovendo ações de retaliação. 

  • Guerra de Território:
    O CV participa de guerras de território com outras facções, como a milícia, resultando em violência e conflitos. 

  • Invasões em Comunidades:
    O CV tem sido responsável por invasões em comunidades e bairros, estabelecendo controle sobre determinadas áreas. 

  • Nucleo Financeiro:
    Investigadores revelaram um núcleo financeiro do CV que movimentou cerca de R$ 6 bilhões em um ano, com esquema de lavagem de dinheiro e uso de bancos digitais. 

Complexo do Alemão: 100 dos 163 bairros do Rio de Janeiro estão sob controle de bandidos – Daniel Marenco/Folhapress

São Paulo e o PCC, a irmandade dos criminosos

O grupo mais poderoso do crime organizado da América do Sul trafica drogas, domina prisões e favelas; conta com 35.000 membros e uma ‘justiça’ própria que proíbe matar sem licença.

O grupo nasceu em uma das prisões mais desumanas de São Paulo, em Taubaté, quando os presídios brasileiros eram ainda piores do que agora. Cada prisão tinha um manda-chuva que permitia que violassem a mulher de um prisioneiro devedor, abusar sexualmente de presos mais vulneráveis ou distribuir celas, recorda Sidney Salles, 52, que alugou uma para si próprio porque queria ter encontros íntimos. “Os que tinham mais dinheiro viviam melhor e subjugavam os outros”, diz ele, agora em sua casa em Várzea Paulista. “Quando chegaram, começaram a cuidar das pessoas que estavam presas. Pessoas mais vulneráveis, cuja integridade física estava em perigo. Criaram um poder para protegê-las, para que não apanhassem ou fossem estupradas…”. Salles ficou preso na penitenciária do Carandiru durante seis anos por assalto e pôde trocar os crimes pelo púlpito de um pastor evangélico graças ao fato de ter sobrevivido àquela época em que qualquer disputa na prisão era resolvida a facadas ou socos. “Para não ver sua mãe chorar, você fazia a de outro chorar”, diz ele.

Esse inferno começou a mudar com um jogo de futebol no pátio da prisão de Taubaté em 31 de agosto de 1993, o dia em que o PCC nasceu.

A Justiça de São Paulo condenou quatro membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) por participação em um plano para executar autoridades públicas, 14/05/2006 – Foto: Alex Silva/Estadão

Essa sigla, que soa como partido comunista chinês ou cubano, é a de um grupo brasileiro do crime organizado que hoje tem cerca de 35.000 “irmãos” batizados em um ritual secreto, que gerencia negócios de drogas que giram 100 milhões de dólares por ano (485 milhões de reais) —sem contar lucros fabulosos do tráfico para a Europa—, opera em todos os países da América do Sul e colabora com máfias do outro lado do Atlântico. Esta é a história de uma organização tão peculiar como desconhecida fora da região e que fez história no Paraguai em janeiro, quando seus membros promoveram a maior fuga carcerária desse país.

O jogo de futebol entre o Primeiro Comando da Capital e o Comando Caipira, em 1993, foi o momento fundador em que o poder mudou de mãos naquela prisão, segundo os investigadores. A equipe vencedora matou e decapitou o preso que dominava a prisão e o subdiretor. Chutou a cabeça do primeiro; pendurou a do segundo em uma estaca para que todos vissem. Uma cena bárbara, descrita no livro PCC: A Facção (Editora Record), de Fátima Souza. Inédita na época. Hoje, não mais.

Os oito prisioneiros que venceram a partida decidiram formar uma aliança. Eram irmãos e o inimigo não seriam os outros presos, mas o sistema. As autoridades. O Estado. Juntos, exigiriam que seus direitos fossem respeitados. Aceitavam cumprir sua sentença, mas não tolerariam serem mortos atrás das grades, que seus parentes fossem humilhados ou não ter água para se lavarem. Conseguiram se tornar a voz dos presos perante o Estado. Prosperaram ao implementar seus métodos de administrar os negócios e resolver conflitos nos bairros mais negligenciados.

O grupo criou toda uma terminologia

O PCC é a família, o comando… Os membros são irmãos; suas esposas, cunhadas; as circulares informativas, salves; o código de conduta, o estatuto; o valor mensal, a caixinha; o inimigo e a polícia são coisa. A cúpula é a última instância, a Sintonia Fina Geral. Quando alguém é julgado, vai para as ideias. E, quando é condenado à morte, é decretado.

Terminologia seguida até hoje – Reprodução

Cela a cela e rua a rua, o PCC estendeu seus métodos peculiares para se tornar um poder hegemônico nas prisões e favelas. Com o núcleo duro de 35.000 irmãos batizados nestes 27 anos, explica Lincoln Gakiya, um promotor que os combate desde 2006, centenas de milhares de outras pessoas — delinquentes, biscateiros, mas também faxineiras, pedreiros, vendedores ambulantes ou de telemarketing— seguem suas normas. Vivem no ritmo estabelecido pelo Primeiro Comando da Capital.

Crime organizado e novas tecnologias

Um caso citado pelo pesquisador da UNAM é a “exploração ilegal de aço, exportado de forma ilegal nas regiões do continente asiático. Além disso, há matérias-primas produzidas na agronomia e combustíveis de hidrocarbonetos, afetando as populações mais vulneráveis”.

Segundo David Barrios, o crime organizado também necessita de novas tecnologias de geolocalização para melhorar sua logística.

Por fim, o Banco Mundial reconhece que não é fácil determinar se há aumento do crime organizado na América Latina e Caribe. “Identificamos, no entanto, alguns dos fatores, como a reorganização de grupos criminosos após a repressão governamental, a maior disponibilidade de armas, a diversificação de seus negócios e o uso intensivo de tecnologias de ponta”, concluiu Barrios.

Com agências