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Internacional

Meio Ambiente

Tráfego marítimo no Ártico acelera colapso ambiental da região

Degelo impulsiona rotas comerciais, mas aumento da atividade naval ameaça ecossistemas e intensifica a crise climática global.


Foto de arquivo de um navio navegando entre icebergs perto da Groenlândia, no Ártico, tirada em 15 de agosto de 2023 – Foto: Olivier Morin/AFP

O Ártico está aquecendo quatro vezes mais rápido que qualquer outra região do planeta. Com o derretimento do gelo marinho, novas rotas de navegação entre continentes estão se abrindo, estendendo a janela anual para operações marítimas nessas águas geladas. No entanto, o aumento do tráfego em um dos ecossistemas mais frágeis da Terra tem custo elevado: acelera o aquecimento global, ameaça a biodiversidade e pode provocar efeitos ambientais em escala planetária.

Em fevereiro de 2021, o petroleiro russo Christophe de Margerie fez história ao cruzar o Ártico durante o inverno, algo impensável décadas atrás. A travessia simbolizou o início de uma nova era na navegação global, impulsionada pelo derretimento do gelo devido às mudanças climáticas.

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Degelo abre caminho para mais navios

Desde 1979, o Ártico registra aquecimento acelerado, revelam estudos científicos. Com o recuo do gelo, rotas como a Rota Marítima do Norte – um atalho de mais de 9 mil quilômetros entre a Europa e a Ásia – tornaram-se viáveis por mais tempo ao ano. Estima-se que, até 2030, navios poderão cruzar o Ártico sem escolta de quebra-gelos durante os meses de verão.

Esse novo cenário, porém, está longe de ser uma conquista. O tráfego marítimo cresceu 25% entre 2013 e 2019, e a distância total percorrida por embarcações na região mais que dobrou em uma década. Além disso, a área de navegação segura aumentou 35% desde 1979, tornando o Ártico cada vez mais acessível.

Ciclo vicioso e poluição invisível

Com mais navios, cresce a emissão de poluentes como o carbono negro, um subproduto da queima incompleta de combustíveis fósseis. Esse material escurece o gelo, reduzindo sua capacidade de refletir a luz solar e acelerando o degelo.

“O carbono negro acelera o derretimento ao aquecer o gelo”, explica Sammie Buzzard, cientista polar da Universidade de Northumbria. “É um ciclo vicioso: mais tráfego gera mais poluição, que intensifica o aquecimento, que por sua vez abre espaço para mais tráfego.”

Entre 2015 e 2019, o uso de óleo combustível pesado – altamente poluente – cresceu 75% no Ártico. Na Antártida, o mesmo combustível está proibido desde 2011. A nova regulação da ONU, em vigor desde 2024, proíbe gradualmente esse óleo, mas permite exceções até 2029.

Impactos sobre o ecossistema e a fauna marinha

O aumento da atividade marítima também gera poluição sonora, prejudicando espécies como as baleias, que dependem de sons para se orientar, se alimentar e se comunicar. Um estudo revelou que o ruído subaquático em partes do Ártico dobrou em apenas seis anos.

Espécies icônicas, como o urso polar, também sofrem. O gelo marinho cobre mais de 96% de seu habitat essencial, usado para caçar e se locomover. À medida que o gelo desaparece, o risco para essas populações cresce.

Riscos logísticos e geopolíticos

Apesar do aparente aumento da acessibilidade, nem todas as rotas se tornam mais seguras. O derretimento de gelo mais fino pode liberar blocos de gelo antigos e espessos, criando obstáculos perigosos, especialmente na Passagem Noroeste, no Ártico canadense.

Geopoliticamente, países como Rússia, China e Estados Unidos demonstram crescente interesse na região. A Groenlândia, rica em recursos, atrai atenção estratégica e econômica, aumentando as pressões sobre o território.

Desafios e urgência por regulamentação

A Organização Marítima Internacional prometeu reduzir as emissões do setor naval em pelo menos 20% nos próximos cinco anos. No entanto, entidades como a Aliança Ártica Limpa, que reúne 21 ONGs, alertam que as medidas atuais são insuficientes para conter o avanço da degradação ambiental.

Para Buzzard, a exploração econômica pode até ser eficiente, mas só é justificável se acompanhada por regulamentações ambientais rígidas:
“Este é um ecossistema extremamente sensível. O gelo marinho não apenas ajuda a resfriar o planeta, mas também sustenta uma cadeia alimentar complexa. As consequências do colapso não serão sentidas apenas no Ártico – mas no mundo inteiro.”