
Cardeais recebem dossiê secreto com 20 nomes de papáveis – Foto: Reprodução
A poucos dias do início do conclave que escolherá o novo papa, cardeais de diversas partes do mundo foram surpreendidos por um dossiê anônimo que lista 20 possíveis candidatos ao trono de Pedro. Encadernado e com impressão de alto padrão, o material foi entregue a vários purpurados, com o aparente objetivo de influenciar a votação marcada para o próximo dia 7, na Capela Sistina.
Um dos cardeais, em tom irônico, revelou esperar encontrar sua biografia no dossiê, mas afirmou aliviado que seu nome não estava entre os citados. O documento busca apontar os cardeais “mais expostos” e inclui nomes influentes, como o do secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin — considerado um dos favoritos na sucessão papal.
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“Ali tem muito dinheiro. Quem fez, fez com gosto. É um totopapa”, comentou um dos religiosos, referindo-se à prática de tentar prever ou influenciar a escolha do novo pontífice. A ação é vista por alguns cardeais como parte das tentativas externas — e internas — de interferência no processo.

À espera do papa: na Basílica São Paulo Extramuros (Roma), o espaço para a imagem do novo pontífice já está preparado ao lados das imagens dos 266 papas anteriores representados na igreja – Foto: Marcelo Godoy/Estadão
As congregações preparatórias começaram no último dia 23 e abriram espaço para rumores, fofocas e pressões de diferentes correntes dentro da Igreja. Um dos cardeais relatou que parte das tentativas de interferência parte de setores nostálgicos: “Gente com saudade de um tempo que não existe mais. Nós não podemos parar no tempo”.
O incômodo com o assédio, segundo relatos, atravessa as divisões ideológicas entre conservadores e progressistas dentro da Igreja. “Se perdemos a dimensão da fé, vamos fazer outra coisa”, resumiu um dos participantes do conclave.
Trump e outras “bobagens”
Entre os episódios considerados “bizarrices” desta fase pré-conclave, um dos cardeais citou a montagem com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, vestindo paramentos papais. A imagem viralizou nas redes sociais, mas foi ignorada oficialmente pela Santa Sé. O diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, Matteo Bruni, preferiu não comentar o caso.

O cardeal incluiu a distribuição do dossiê entre “as bobagens” que começaram a circular recentemente sobre o conclave, como a fotografia publicada pelo presidente americano Donald Trump com as vestes papais em suas redes sociais – Foto: Reprodução/Instagram
Bruni, no entanto, foi obrigado a desmentir rumores sobre a saúde do cardeal Parolin. Uma publicação católica conservadora dos EUA sugeriu que o secretário de Estado estaria doente — informação classificada como falsa pela assessoria de imprensa do Vaticano.
Cardeais controversos
A tensão nos bastidores aumentou com a presença de dois cardeais afastados de funções e que, mesmo assim, tentaram se aproximar do processo de escolha. Um deles, o italiano Giovanni Angelo Becciu, condenado por malversação de fundos, chegou a manifestar o desejo de ir a Roma, mas desistiu ao perceber que seria barrado.
Já o cardeal peruano Juan Luis Cipriani, acusado de abuso sexual, compareceu às congregações mesmo tendo sido proibido pelo papa Francisco de usar vestes cardinalícias.
Entre divergências e unidade
Apesar das polêmicas, os cardeais brasileiros presentes em Roma tentam adotar um tom conciliador. O arcebispo de Brasília, d. Paulo Cezar Costa, afirmou que o próximo papa deve ser “um homem do nosso tempo, que fale ao ser humano de hoje”. Já o cardeal d. Odilo Scherer disse que os votos não são decididos de última hora: “Os cardeais já vêm refletindo há tempos sobre quem escolher”.
Para d. Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, mesmo com as diferentes visões culturais e pastorais dos cardeais, há um esforço genuíno por unidade: “O desejo é encontrar a pessoa certa para o tempo certo”.
Oficialmente, os cardeais evitam abordar esse e outros temas polêmicos em público. Mas em pelo menos um caso o Vaticano se viu forçado a se manifestar. Foi para desmentir que o cardeal Parolin estava doente, como fora divulgado por uma publicação católica conservadora dos Estados Unidos.
Aos jornalistas, Matteo Bruni negou a hipótese de um mal-estar do cardeal Parolin, esclarecendo que nenhum episódio desse tipo ocorreu. Ele também negou a necessidade de intervenção por parte de equipe médica ou de enfermagem.

O secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, um dos alvos do dossiê e de notícias desmentidas pela Santa Sé Foto: Michael Sohn, archivo/AP
Parolin é um dos papáveis. Em 2013, quando o então cardeal-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, despontava como um dos fortes candidatos no conclave após a renúncia de Bento XVI, também circulou entre os cardeais a informação de que Bergoglio estava doente. Aproveitaram o fato de ele ter tido nos anos 1950 uma grave doença pulmonar para tentar influenciar o voto do colégio cardinalício.
Outras polêmicas
As polêmicas da fase pré-conclave envolveram ainda dois cardeais que não vão participar da escolha do novo papa. O primeiro foi o italiano Giovanni Angelo Becciu, que fora afastado por Francisco sob a acusação de malversação de fundos do Vaticano. Ele foi condenado em primeira instância e, após a morte do papa, manifestou seu desejo de ir a Roma, mas acabou desistindo após perceber que seria impedido.