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Cultura

Europa

O português, Ruy de Carvalho é o ator mais velho em atividade no mundo

Aos 97 anos e meio, Ruy de Carvalho ganhou o estatuto de ator mais velho ainda em atividade no teatro, em todo o mundo. Sem planos para deixar os palcos, Ruy de Carvalho falou sobre sua carreira durante a produção de "A Ratoeira" de Agatha Christie.


Rui Alberto Rebelo Pires de Carvalho, mais conhecido por Ruy de Carvalho, nasceu em Lisboa, 1 de março de 1927). Com uma vasta carreira em cinema, teatro e televisão, ganhou proeminência nas décadas de 1950 e 1960, tendo uma das maiores carreiras de que há registo.

Teatro da Malaposta, em Odivelas, nos subúrbios de LisboaRuy de Carvalho recebe reporteres no camarim, duas horas antes de entrar em cena, mais uma vez, na pele do Major Metcalf na peça de Agatha Christie A Ratoeira.

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Simpático mas apressado, não nos deixa espaço para mais de três perguntas: precisa de se concentrar e estar sozinho durante algum tempo antes de entrar no palco. Afinal de contas, mesmo se mantém a energia que lhe permite subir ao palco praticamente todos os dias, os anos já pesam: aos 97 anos e seis meses, é o ator de teatro mais velho do mundo ainda em atividade. Para termos uma ideia, quando esta peça estreou em Londres em 1952 – A Ratoeira é famosa por ser a peça em cena ininterruptamente há mais tempo, com um recorde imbatível de 72 anos – Ruy de Carvalho já era ator há 11 anos e profissional há cinco.

Ruy de Carvalho como Rei Lear em “Retratos Contados de Ruy de Carvalho” – Foto: Biblioteca/Arquivo do TNDM

Foram muitos os papéis que desempenhou no cinema e na televisão, que o tornaram numa das caras mais conhecidas do público português, mas o seu habitat natural, aquele em que sempre se moveu como peixe na água, é o teatro.

Em 1957, foi uma das primeiras caras a aparecer na televisão portuguesa, acabada de inaugurar, com a transmissão da peça Monólogo do Vaqueiro de Gil Vicente, o primeiro teleteatro apresentado em Portugal. 41 anos depois, em 1998, viveu aquele que foi talvez o momento mais apoteótico de toda uma carreira, ao ser condecorado pelo então Presidente da República Jorge Sampaio, em pleno palco do Teatro Nacional Dona Maria II (de cujo elenco residente foi figura cimeira), enquanto representava o Rei Lear de William Shakespeare. Ao longo da carreira, foi condecorado com as Grã-Cruzes das Ordens de Mérito, de Sant’iago de Espada e do Infante D. Henrique.

Mas, de todas as dezenas de peças em que entrou ao longo da carreira, uma marcou-o particularmente: Em 1965, com o Teatro Moderno de Lisboa (companhia que fundara quatro anos antes), leva à cena O Render dos Heróis de José Cardoso Pires e faz o papel de Cego, a personagem que representa o povo português: “Tinha um grande prazer em representar o povo português”, conta Ruy de Carvalho. “Era uma espécie de espantalho, que estava voltado de costas e, de vez em quando, virava-se para o público e dizia o que pensava sobre o mundo. E o que quero para o mundo, neste momento, é que haja uma paz duradoura para todos e que ninguém fique a sofrer”, conclui.

Ruy de Carvalho em “A Ratoeira” – Foto: Manuel Meira / Yellow Star Company

Deixar os palcos não é algo que esteja nos planos de Ruy de Carvalho: “Não devo desistir enquanto tiver possibilidade de trabalhar”, conta à Euronews: “Trabalho porque sinto que ainda tenho memória e ainda consigo decorar um texto. Só peço que não sejam textos muito grandes, para não ter de ocupar muito tempo a estudar, porque eu estudo os papéis em casa. Os improvisos levam muito tempo a trabalhar”, diz.

“Trabalho porque sinto que ainda tenho memória e ainda consigo decorar um texto. Só peço que não sejam textos muito grandes” – Ruy de Carvalho – Ator

Para os colegas de palco, trabalhar com ele é uma lição permanente. Luís Pacheco contracena com Ruy de Carvalho em A Ratoeira (onde faz o papel de Giles Ralston) e também divide o palco com ele em Ruy, a História Devida, o espetáculo que já correu o país e onde divide com o público as histórias que marcaram uma carreira de oito décadas no palco: “Todos nós, atores, queremos ser um dia alguém como ele”, conta. “Para nós, é uma aprendizagem constante. Sempre disponível, sempre atento a tudo, sempre a aprender apesar da idade. Continua a viver o palco como se fosse a primeira vez”.

Também Elsa Galvão, que em A Ratoeira desempenha o papel de Mrs Boyle, diz que trabalhar ao lado de Ruy de Carvalho é uma experiência inesquecível: “Todos os dias aprendemos alguma coisa. É maravilhoso vê-lo trabalhar com esta energia e esta alegria que tem a pisar o palco todos os dias”, diz.

A Ratoeira está em cena no Teatro da Malaposta, em Odivelas, não tendo ainda data para o fim das apresentações, e devendo em breve regressar a uma tournée por todo o país. Talvez a peça não fique 72 anos em cena como acontece em Londres, mas Ruy de Carvalho parece pronto para continuar a representá-la durante o tempo que for preciso.