Ao responder com um sonoro “não”, e em público, no seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, a uma articulação de bastidores entre Brasil e China para uma trégua entre Ucrânia e Rússia, o ucraniano Volodmir Zelenski lançou insinuações graves, provocou um “bate-boca” com o presidente Lula e jogou holofotes nas fragilidades da política externa brasileira.
“Qual o verdadeiro interesse (de China e Brasil)?”, indagou Zelenski, sugerindo que os dois países, parceiros da Rússia nos Brics e aliados de Vladimir Putin, um mais explicitamente, outro mais dissimuladamente, na verdade tentam favorecer o regime russo e desconsiderar a condição inegociável da Ucrânia, que não admite abdicar de parte, ou partes, de seu território em nenhuma hipótese.
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Em entrevista, Lula – que já tinha dito lá atrás, ainda no início da guerra, que a Ucrânia “não podia querer tudo” –, criticou e, de certa forma, ironizou Zelenski: “Se ele fosse esperto, diria que a solução é diplomática, não militar”. Foi uma advertência velada, já que o poderio militar russo é inquestionavelmente maior e uma vitória ucraniana via bélica é improvável.
Lula, assim, se expôs ao mundo e saiu de Nova York deixando um rastro de críticas à política externa do terceiro mandato: voltou a acusar Benjamin Netanyahu de “genocídio” e a atacar Israel, com quem o Brasil está rompido na prática, sem embaixador em Tel Aviv, e reforçou o carimbo de aliado de China e Rússia, a invasora, contra Ucrânia, a invadida. Nos dois casos, Israel e Rússia, bate de frente com os EUA de Joe Biden.
Se insistiu na reforma do Conselho de Segurança da ONU e buscou protagonismo internacional, Lula descuidou do mais importante: liderança regional, espaço natural do Brasil. Falou muito de Israel, lançou o Brasil como mediador entre Rússia e Ucrânia e… calou sobre Venezuela. Uma questão, inclusive, de política interna, pelo estrago que faz contra Lula e seu governo.
O monitoramento da escalada sem limites de Israel contra o Hezbollah em território libanês, depois de devastar Gaza e matar um líder do Hamas dentro da capital do Irã, Teerã, evoluiu para uma preocupação e uma ação bem mais objetivas: os mais de 20 mil brasileiros no Líbano, um país com grande proximidade com o Brasil, que já teve presidente e incontáveis governadores, senadores, deputados e prefeitos de origem sírio-libanesa.
Retirar 141 nacionais e seus familiares de Gaza já foi complicado, resgatar dezenas de milhares do Líbano pode exigir uma verdadeira “operação de guerra”. Dois adolescentes brasileiros já morreram no país em bombardeios israelenses. Infelizmente, isso pode ser só o começo.
Quando citado, Lula foi criticado pela mídia internacional
O jornal norte-americano “Washington Post” publicou um texto sobre o discurso de Lula com o seguinte: “Lula fala sobre clima na ONU, mas incêndios na Amazônia minam sua mensagem”.
Lula discursou por 19 minutos na terça-feira (24). Cumprimentou a comissão palestina, criticou os ataques de Israel contra alvos do grupo extremista Hezbollah no Líbano, defendeu o diálogo entre Rússia e Ucrânia, e, sem citar o bilionário Elon Musk, disse que o governo não se intimidará com corporações e plataformas digitais que “se julgam acima da lei”. A comitiva israelense não aplaudiu ao final da fala.
O Wall Street Journal destacou que Biden disse que seu governo chega ao fim com o agravamento das tensões internacionais e guerras não resolvidas, mas que o presidente norte-americano expressou otimismo de que “as coisas podem melhorar”.
A edição impressa do Financial Times fez um breve relato do discurso de Biden, destacando o pedido do democrata para que os líderes mundiais preservassem a democracia.
New York Times (EUA) – o principal jornal dos EUA fez uma cobertura jornalística em tempo real da Assembleia da ONU. O veículo ignorou Lula. Como é possível ver no print abaixo, há atualizações da declaração do secretário-geral António Guterres –que discursou antes do brasileiro. Depois, o NYT passa a falar do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (Partido Democrata) –que discursou depois do brasileiro. Assim como o Washington Post, a edição impressa desta quarta-feira (25) do NYT traz uma reportagem sobre o discurso de Biden, sem mencionar Lula ou o Brasil.
The Times of Israel (Israel) – publicou um texto alentado a respeito do que foi dito durante a assembleia a respeito do conflito na Faixa de Gaza. Deu muita atenção ao discurso de Joe Biden. Não citou Lula.
Guardian (Reino Unido) – deu destaque para a guerra na Ucrânia em sua cobertura jornalística da Assembleia Geral da ONU. Trouxe em sua versão impressa desta quarta-feira (25) reportagens citando o discurso do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao Conselho de Segurança, e o de Joe Biden na Assembleia Geral.
Le Figaro (França) – como muitos veículos de mídia de países desenvolvidos, o destaque foi para o último discurso de Joe Biden como presidente dos EUA.
El País (Espanha) – tanto a versão impressa desta 4ª feira (25.set) quanto a on-line do periódico espanhol deram destaque apenas para o discurso de Joe Biden.
ABC (Espanha) – o jornal espanhol separou uma página e meia para o discurso de Biden. O restante ficou para Guterres.
Corriere della Sera (Itália) – a versão impressa do italiano Corriere della Sera deu destaque para as declarações de Biden sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia. Na cobertura jornalística em tempo real da Assembleia Geral da ONU, o site do veículo faz uma menção a Lula (veja imagem mais abaixo).
Jornal de Notícias (Portugal) – publicou em sua versão impressa um texto citando apenas os discursos de Zelensky e de Biden.
Diário de Notícias (Portugal) – o jornal português também deu destaque para a despedida de Joe Biden. Na lateral da página, no entanto, citou uma frase do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia (veja no print abaixo dentro do destaque em vermelho).
Argentina e México
O argentino La Nación publicou na edição impressa desta 4ª feira (25.set) que Lula fez uma “dura crítica” a “ultraliberais”, em uma “alusão velada” ao presidente Argentino, Javier Milei (La Libertad Avanza, direita), ao ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) e ao dono do X (ex-Twitter), Elon Musk.
O Clarín, também da Argentina, deu menos destaque para Lula. A publicação disse que o presidente brasileiro criticou Milei, porém sem nomeá-lo.
A edição impressa desta 4ª feira (25.set) do mexicano El Universal citou Biden, Milei, o secretário-geral da ONU, António Guterres, e os presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de El Salvador, Nayib Bukele, do Chile, Gabriel Boric. Lula não é mencionado.
O discurso do presidente brasileiro foi citado no site da publicação. O título do artigo é: “Lula cumprimenta delegação palestina na ONU e critica ‘vingança’ israelense”.