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Brasil

STF cobra governo Lula por agravamento da crise humanitária na Terra Yanomami

Corte atendeu pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Ministério da Saúde e Casa Civil terão dez dias para explicar situação de emergência sanitária no território indígena.


STF dá 10 dias para governo Lula explicar aumento de casos de malária no território Yanomami.

Atendimento médico na Terra Indígena Yanomami — Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deu um prazo de dez dias para o governo Luiz Inácio Lula da Silva explicar o agravamento do quadro de emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami. Barroso atendeu a um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acionou a Corte no último dia 24 denunciando um aumento nos casos de malária, desnutrição infantil e infecções respiratórias agudas.

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Com a decisão, tomada nesta quinta-feira (6), o Ministério da Saúde e a Casa Civil terão de se manifestar até o próximo dia 16. A crise dos ianomâmis se arrasta desde o governo Jair Bolsonaro e a pandemia de Covid-19.

Logo após a posse de Lula, em janeiro de 2023, o governo decretou emergência pública na Terra Yanomami e se comprometeu a combater o garimpo ilegal na região, responsável pela poluição dos rios e também por levar doenças contagiosas ao território ianomâmi em Roraima.

Os números indicam que mais da metade da população de 32.012 indígenas padeceu de malária: em 2024 houve 18.310 casos da doença reportados na Terra Yanomami contra 14.450 em 2023. Nove deles morreram da patologia no ano passado, enquanto outros dez faleceram por desnutrição e 22 por infecções respiratórias agudas – condições que, conforme alertou a Apib junto ao STF, são agravadas pela malária.

Os casos de infecção respiratória aguda também cresceram 300% no intervalo de um ano: saltaram de 3.113 em 2023 para 11.484 no ano passado. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, esteve no território dos ianomâmis no dia 10 de janeiro.

Após a publicação da reportagem, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) emitiu uma nota na qual destacou que o governo Lula conduziu a “maior operação já realizada pelo Estado na Terra Indígena Yanomami” com o objetivo de “reverter o abandono herdado e garantir a proteção e a recuperação das condições de vida dos povos indígenas” e que todas as informações ao STF “serão prestadas dentro do prazo estabelecido, assegurando o compromisso com a transparência e a continuidade das ações”.

A Secom também afirmou que a ação do governo Lula reduziu o número de óbitos por malária, desnutrição e infecções respiratórias aguda, e atribuiu o aumento no diagnóstico da primeira doença ao aumento no número de exames, que teriam ampliado o “acesso ao diagnóstico oportuno e tratamento” (leia a íntegra da nota ao final da matéria).

No último dia 20, a Secom divulgou um balanço das iniciativas da gestão petista e anunciou uma redução de 91% nas áreas ocupadas por garimpeiros e 27% no número de óbitos, que caíram de 213 em 2023 para 155 no ano passado.

A Apib, porém, sustentou na manifestação ao Supremo que a malária, a desnutrição e as infecções respiratórias pioraram a despeito dos números alardeados pelo governo federal e do crédito extraordinário de R$ 1,06 bilhão autorizado pelo Congresso no ano passado para que a gestão Lula enfrentasse a crise dos ianomâmis.

O valor foi dividido por oito ministérios: Justiça, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Defesa, Desenvolvimento e Assistência Social, Pesca, Direitos Humanos e Povos Indígenas.

Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o quadro reflete “uma ação desarticulada do governo federal, uma vez que os dados sobre o ‘sucesso’ da operação em Yanomami são completamente destoantes à situação de saúde ali observada, de forma a indicar que inexiste um diálogo interno que gere uma ação estrutural dentro do território”.

No ano passado, a entidade enviou ao STF um balanço das ações do governo Lula no qual já demonstrava preocupação com a “morosidade e à falta de coordenação entre setores” da gestão petista, acarretando na piora da crise e na “continuidade de invasões e deterioração das condições de vida” dos ianomâmis.

O pedido da Apib para que o STF se manifestasse foi protocolado dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de número 709 protocolada pela entidade em 2020 para garantir meios de proteção de comunidades indígenas com o avanço da Covid-19 pelo Brasil.

A entidade também pediu ao Supremo que a União informasse o número de cestas básicas enviadas à Terra Yanomami e os critérios adotados para a distribuição de fórmulas para o combate à desnutrição infantil, bem como o esclarecimento pelo Tribunal de Contas da União (TCU) se o crédito extraordinário autorizado pelo Congresso foi aplicado de forma eficiente.

Dados do Ministério da Saúde apontam que número de mortes por malária aumentou 27% entre 2023 e 2024; boletim indica que crescimento de casos notificados está relacionado a aumento na cobertura de serviços de saúde – Foto: Weibe Tapeba/Sesai

Desafio e constrangimento

A decisão de Barroso reforça que, passados dois anos desde a declaração da emergência de saúde pública, a crise ianomâmi ainda é um desafio expressivo para Lula – além de um constrangimento.

Na composição do seu governo na transição, o presidente criou o Ministério dos Povos Indígenas e escolheu a deputada federal eleita Sonia Guajajara (PSOL-SP) para chefiar a pasta, o que a tornou a primeira indígena a assumir um cargo na Esplanada dos Ministérios.

Ainda no primeiro mês de governo, Lula viajou para a Terra Yanomami e constatou um cenário de grave crise sanitária. Um ano depois, admitiu que era preciso fazer mais para aplacar o problema.

“Vamos tratar a questão indígena e a questão dos ianomâmi como uma questão de Estado, ou seja, nós vamos ter que fazer um esforço ainda maior, utilizar todo o poder que a máquina pública pode ter, porque não é possível que a gente possa perder uma guerra para garimpo ilegal, para madeireiro ilegal, para pessoas que estão fazendo coisas contra o que a lei determina”, declarou o presidente em janeiro de 2024.

Agora, por determinação do Supremo, Nísia Trindade e Rui Costa, da Casa Civil, terão de explicar por que o quadro piorou no último ano a despeito da injeção de R$ 1,06 bilhão nos cofres da União.

Leia a íntegra da nota da Secom:

O Governo Federal reafirma que vem promovendo, desde 2023, a maior operação já realizada pelo Estado na Terra Indígena Yanomami, para reverter o abandono herdado e garantir a proteção e a recuperação das condições de vida dos povos indígenas.

Todas as informações solicitadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) serão prestadas dentro do prazo estabelecido, assegurando o compromisso com a transparência e a continuidade das ações.

Em dois anos de atuação intensiva e coordenada, envolvendo 33 órgãos federais, foram reduzidas em 95% as novas áreas de garimpo, afastando a principal causa da degradação do território.

No âmbito da saúde, com ações realizadas pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, o Estado garantiu o funcionamento de 100% dos polos-base do território, ampliando em 155% o número de profissionais e reabrindo todas as unidades de saúde que estavam fechadas, o que resultou na reinclusão de mais de 5.200 indígenas que estavam desassistidos.

Como resultado, houve uma redução de 27% no número de óbitos no primeiro semestre de 2024, em comparação com o mesmo período do ano anterior, com quedas expressivas em mortes por desnutrição (-68%), infecções respiratórias (-53%) e malária (-35%).

Com a ampliação da busca ativa e do acesso ao diagnóstico oportuno e tratamento, houve aumento de 73% no número de exames de malária realizados e, consequentemente, também aumento dos casos reportados, mas com queda de letalidade.

Além disso, foram implantados 29 sistemas de abastecimento de água no território, com outras 18 em construção ou em reforma. E a distribuição de mais de 114 mil cestas de alimentos.

O plano estratégico do governo é coordenado pela Casa de Governo, instalada em fevereiro de 2024, em Boa Vista (RR), que consolidou uma presença permanente do Governo Federal na região, coordenando a retirada de invasores e a recuperação da infraestrutura local.

O Governo Federal segue atuando de forma estruturada e contínua para reverter anos de negligência e garantir que os povos Yanomami tenham autonomia, dignidade, assistência e segurança em seu território, reafirmando seu compromisso com a defesa dos direitos indígenas e a soberania nacional.