Exército considera improvável Venezuela invadir Guiana, mas fronteira é reforçada. A situação em Pacaraima (RR) é considerada de ‘dissuasão’; eventual ofensiva por terra teria de passar pelo Brasil.
Na decisão de 15 páginas, a CIJ orienta de maneira unânime que a Republica Bolivariana da Venezuela “deve abster-se de tomar qualquer ação que modifique a situação que atualmente prevalece no território em disputa, onde a República Cooperativa da Guiana administra e exerce controle sobre a área”. A decisão orienta que os dois países devem também evitar qualquer ação que agrave a situação, que remonta a uma disputa de mais de meio século.
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“A Corte considera que, à luz da forte tensão que atualmente caracteriza as relações entre as partes, as circunstâncias descritas apontam um sério risco de a Venezuela adquirir, controlar e administrar o território em disputa”, explica a CIJ. “Há um real e iminente risco de irreparável prejuízo ao direito plausível da Guiana, antes que a Corte tome sua decisão.“
As medidas são liminares — ou seja, devem em tese ser seguidas pelos países até que a Corte se manifeste de maneira final sobre o tema.
A questão representa mais uma derrota diplomática para Caracas do que uma proibição. Alegando a soberania sobre o seu território e suas decisões internas, Maduro irá manter as votações para este domingo — inclusive ensinando como votar. A partir do plebiscito, o governo venezuelano deve anexar por decreto a área de Essquibo, que tem 159 mil km² e corresponde a quase dois terços do atual território da Guiana.
A reivindicação territorial da Venezuela não é nova, mas ganhou escala nos últimos dias em razão de dois fatores: a proximidade das eleições no país, em 2024, e o boom econômico do vizinho na esteira do avanço da exploração de petróleo.
O alvo da cobiça é a região de Essequiba, uma área de 160 000 quilômetros quadrados formada em sua maioria por uma densa floresta cortada por rios caudalosos, que faz fronteira com Roraima e que representa dois terços do território da Guiana (veja o mapa).
A posse da região foi concedida em 1899 à Guiana, na época uma colônia inglesa, por meio de arbitragem feita pelos Estados Unidos. A Venezuela questiona desde então a decisão e, em 1966, chegou a firmar um acordo com a Inglaterra, que reconhecia como nulo o Laudo Arbitral. Naquele mesmo ano, no entanto, a Guiana conquistou a independência, o que na prática manteve o acordo em suspenso até hoje.
Há dez anos no poder, Maduro viu na antiga reivindicação uma arma de campanha para encobrir a longa lista de problemas econômicos e sociais enfrentados pelo regime, instalado com a ascensão de Hugo Chávez em 1999. Maduro tem intensificado uma campanha interna para promover a sua intenção de anexar a área.
Para se fortalecer politicamente, convocou para domingo 3 um referendo para que a população se posicione sobre o assunto. Uma das questões pergunta se o votante “está de acordo em rechaçar por todos os meios, conforme o direito, a linha imposta fraudulentamente pelo Laudo Arbitral”. O governo também tem promovido eventos públicos e uma ofensiva nas redes sociais para insuflar o patriotismo — a disputa territorial desperta a simpatia até mesmo de parte do eleitorado e da classe política que não são simpáticos ao chavismo.
O pequeno vizinho já percebeu o tamanho da ameaça. O presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, que nasceu na região de Essequiba, recorreu até à Corte Internacional de Justiça em busca de ajuda. Nas últimas semanas, anunciou ter assumido “compromissos com sócios estratégicos” para enfrentar eventual “agressão militar”. A ameaça é mesmo séria. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, enviou recentemente à Guiana chefes do Comando Sul das Forças Armadas americanas para planejar a defesa do país. No último dia 9, Ali ligou para Lula para pedir ajuda. Autoridades militares da Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França — e, portanto, sob a jurisdição do governo do presidente Emmanuel Macron —, também se reuniram com seus colegas da Guiana para, segundo a imprensa local, externar o “compromisso inabalável com a paz e a segurança na Guiana e em toda a região”.
Invasão
Integrantes do Exército brasileiro consideram improvável uma invasão da Guiana pela Venezuela, o que demandaria uma incursão de militares do regime do ditador Nicolás Maduro pelo Brasil.
A via terrestre, no caso de uma ocupação venezuelana em larga escala, passaria obrigatoriamente pelo território brasileiro, em especial três cidades de Roraima estratégicas para a vigilância militar de áreas de fronteira: Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, e Bonfim e Normandia, na região da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, na fronteira com a Guiana.
As Forças Armadas promoveram nesta semana um reforço de militares em Pacaraima. Segundo integrantes do Exército ouvidos pela Folha na condição de anonimato, o reforço tem o objetivo de equipar o que seria um combate por terra, em caso de uma invasão. A ação militar seria uma “fase zero”, de “dissuasão”, diante da ofensiva verbal de Maduro.
O Ministério da Defesa confirmou a maior presença militar na região em razão da crise entre Venezuela e Guiana. Segundo as pessoas ouvidas pela reportagem, houve deslocamento de cerca de 200 militares e de blindados sobre rodas para o pelotão de fronteira em Pacaraima. Houve também transporte de munição, por via aérea, com foco no que seria um combate por terra.
Apesar da ação, o entendimento hoje no Exército é de que a atitude de Maduro em relação a uma anexação de parte da Guiana –a região de Essequibo, equivalente a quase 70% do território guianês– se trata de uma bravata política, de olho nas eleições presidenciais de 2024.
Integrantes do Exército dizem que a invasão de um país amigo seria um erro impensável por parte de Maduro, levando em conta as boas relações de Brasil e Venezuela após a eleição do presidente Lula (PT).
A fronteira de Venezuela e Guiana tem poucos moradores e é marcada por área de floresta densa, o que torna quase impossível um deslocamento de tropas numerosas de um país a outro, na visão do Exército brasileiro. Por isso, uma ação teria de ocorrer pelo território brasileiro.
Com informações da Crusoé, Folha e Veja