
Dorinha Duval, atriz que interpretou a primeira Cuca de Sítio do Picapau Amarelo, morreu nesta quarta-feira (21), aos 96 anos de idade – Foto: Reprodução
A atriz Dorinha Duval, pioneira da televisão brasileira e primeira intérprete da personagem Cuca no clássico infantil Sítio do Picapau Amarelo, morreu nesta quarta-feira (21), aos 96 anos. A informação foi confirmada por sua filha, a também atriz Carla Daniel, por meio das redes sociais. “É com tristeza, mas alívio, que nos despedimos da mãe, avó, amiga, que trouxe bons momentos de alegria para o público brasileiro. Te amo”, escreveu Carla.
Mais do que um rosto conhecido da TV, Dorinha Duval teve uma vida marcada por contrastes entre o brilho da fama e a tragédia pessoal que abalou sua carreira nos anos 1980.
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Início da carreira e destaque na televisão
Nascida Dorah Teixeira, em 21 de janeiro de 1929, na cidade de São Paulo, Dorinha começou sua vida artística como bailarina e artista plástica. Sua beleza e carisma logo a levaram para os bastidores da televisão, ainda nos tempos pioneiros da telinha no Brasil.
Ela iniciou a carreira em emissoras como a TV Tupi, TV Rio e TV Excelsior, entre as décadas de 1950 e 1960, época em que a TV ainda era feita ao vivo e exigia grande talento e improvisação dos atores. Dorinha destacou-se por sua versatilidade e presença cênica, o que a levou a conquistar papéis cada vez mais importantes.

Dirce Migliaccio, Dorinha Duval e Ida Gomes na novela “O Bem-Amado” (Reprodução/TV Globo)
Em 1969, ingressou na TV Globo, onde passou a integrar o elenco de grandes produções da teledramaturgia brasileira. Participou de novelas históricas como “Irmãos Coragem” (1970), “Selva de Pedra” (1972), e “O Bem-Amado” (1973), esta última uma das primeiras novelas em cores da televisão brasileira, escrita por Dias Gomes.
A primeira Cuca da televisão
Um dos papéis mais icônicos de Dorinha foi o de Cuca, a vilã folclórica com aparência de jacaré, que apareceu pela primeira vez na adaptação televisiva do Sítio do Picapau Amarelo em 1977. A série infantil, baseada na obra de Monteiro Lobato, marcou gerações e teve diversas versões, mas Dorinha Duval ficou registrada como a primeira atriz a dar vida ao personagem nas telinhas, com uma interpretação marcante que misturava humor, malícia e um toque de mistério.
Tragédia pessoal e prisão
Apesar do sucesso, a vida de Dorinha Duval tomou um rumo dramático em 1980, quando ela foi condenada pelo assassinato de seu então marido, o publicitário Paulo Sérgio Garcia de Alcântara. Segundo relatos da época, o casal vivia um relacionamento conturbado, e, após uma discussão acalorada, Dorinha atirou no marido com um revólver, desferindo três tiros fatais. Estavam casados havia seis anos.
No primeiro julgamento, a atriz foi condenada a apenas um ano e meio de prisão em liberdade, o que causou revolta na opinião pública. No entanto, um novo julgamento aumentou a pena para seis anos em regime semiaberto. Dorinha acabou cumprindo oito meses de prisão, período em que se afastou completamente da vida artística.

O vício de Paulo no jogo foi um dos pontos altos da crise entre o casal – Foto: Reprodução
O crime
Dorinha chocou o Brasil no dia 5 de outubro de 1980. Após uma grave discussão, acabou disparando diversas vezes contra o então marido, Paulo Sérgio Garcia de Alcântara, que havia lhe agredido verbal e fisicamente.
Ela também tinha constantes crises de ciúmes por conta do assédio de jovens modelos que o marido sofria na agência de publicidade de Carlos Manga (1928-2015), em emprego que ela mesma lhe conseguiu.
“O Paulo me deu vários tapas e pontapés, eu ameacei me matar, e ele disse que seria uma ótima ideia e que a arma estava na gaveta. Após ser atingida por um tapa na região da cabeça, fugi dele, peguei a arma e disparei. Daí tudo ficou escuro na minha frente. Só me lembro de ver o Paulo caído, ensanguentado”, contou Dorinha em seu livro.
Reclusão, retorno às artes e autobiografia
Após o escândalo e o afastamento das novelas, Dorinha Duval viveu um longo período fora dos holofotes. Em 1987, começou a retomar suas atividades como artista plástica, sua paixão de juventude. Ela também passou a se dedicar à espiritualidade e à reflexão sobre sua trajetória.
Em 2002, publicou sua autobiografia, intitulada “Em Busca da Luz”, em que narra sua vida marcada por amores intensos, carreira de sucesso, maternidade e os episódios traumáticos que culminaram em sua prisão. No livro, ela falou abertamente sobre os abusos que teria sofrido no casamento, sua luta por redenção e o desejo de encontrar paz interior.

A atriz Dorinha Duval em O Bem-Amado (1973); ela deixou a TV após assassinar o marido – Foto: Reprodução
Vida pessoal
Nascida em 21 de janeiro de 1929, em São Paulo, Dorinha foi uma famosa vedete do teatro de revista nos anos 1950, eleita três vezes consecutivas uma das Certinhas do Lalau, lista do jornalista Stanislaw Ponte Preta (1923-1968). Dorinha Duval foi casada com o consagrado diretor e produtor Daniel Filho, com quem teve sua única filha, Carla Daniel, nascida em 1964. O casamento durou de 1961 a 1972. A relação entre mãe e filha passou por altos e baixos ao longo dos anos, mas se fortaleceu com o tempo, especialmente nos últimos anos de vida da atriz.
Com muitos problemas na vida pessoal, Dorinha contou, no livro Em Busca da Luz – Memórias de Dorinha Duval Narradas a Luiz Carlos Maciel e Maria Luiza Ocampo, lançado em 2002, que foi violentada aos 15 anos, sofreu um aborto e chegou a se prostituir.
Legado
Mesmo com a interrupção precoce de sua carreira na televisão, Dorinha Duval permanece como um dos rostos mais lembrados da primeira geração de atrizes da TV brasileira. Seu talento, beleza e intensidade marcaram a dramaturgia nacional e sua figura como a primeira Cuca do “Sítio” é lembrada com carinho por quem cresceu nos anos 1970.
Sua história é um exemplo da complexidade da vida artística, onde o glamour pode dar lugar a tragédias reais, mas também à possibilidade de reconstrução pessoal. Dorinha Duval deixa um legado que mistura arte, dor e humanidade.