O pedagogo Brendo Silva, 33, ex-seminarista, acaba de lançar o livro A Vida Secreta dos Padres Gays – Sexualidade e Poder no Coração da Igreja (Matrix, 216 págs.), no qual denuncia uma “pulsante vida gay” vivida às escondidas nos bastidores da Igreja Católica. A publicação, que já provoca polêmica, mistura relatos autobiográficos, acusações de assédio e críticas severas ao que o autor chama de “sistema de mentiras e opressão” sustentado por parte do clero.
Silva afirma ter vivido situações de abuso e hipocrisia durante o tempo em que frequentou o seminário. Segundo ele, havia uma “linguagem própria” entre seminaristas homossexuais, em que termos religiosos eram ressignificados com conotações sexuais. A rotina dos internos, segundo o autor, incluía relações sexuais veladas entre futuros padres e até saídas para boates gays em companhia de sacerdotes.
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Entre os episódios mais marcantes narrados no livro está o que Silva descreve como um caso de assédio durante uma confissão, quando um padre teria feito perguntas íntimas sobre sua masturbação e, em seguida, demonstrado excitação física. Ao tentar denunciar o caso e outras situações semelhantes, afirma ter sido ignorado por superiores e colegas.
Procurada, a Arquidiocese de São Paulo confirmou que o ex-seminarista entrou em contato por e-mail em outubro de 2023. Em nota, a instituição diz que “respondeu prontamente, apresentando os procedimentos necessários para o acolhimento da solicitação” e que a Comissão Arquidiocesana de Tutela tentou agendar uma reunião presencial. Segundo a Arquidiocese, Silva não deu continuidade ao processo.
O autor, por sua vez, relata que desistiu da denúncia ao ser solicitado a fornecer nomes e detalhes dos envolvidos por e-mail, algo que preferia relatar pessoalmente.
Cultura de silêncio e repressão
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que os relatos de Brendo Silva não são isolados. Jeferson Batista, doutorando na Unicamp que pesquisa o ativismo LGBTQIA+ dentro do catolicismo, afirma que existe uma “cultura de silêncio” sobre a homossexualidade no clero.
“Entrevistando padres gays ou não desde 2017, percebi que a homofobia interna é bastante presente. O celibato serve, muitas vezes, como escudo para evitar o debate sobre orientação sexual”, explica Batista. Segundo ele, essa negação institucional contribui para episódios de hipocrisia, abuso e sofrimento psicológico.
O Catecismo da Igreja Católica e documentos oficiais da Santa Sé ainda classificam os atos homossexuais como “intrinsecamente desordenados” e proíbem o ingresso em seminários de homens com “tendências homossexuais profundamente radicadas”. Batista critica o foco seletivo da Igreja sobre a sexualidade dos padres gays. “E os padres heterossexuais que têm filhos? Eles recebem o mesmo escrutínio?”, questiona.

Capa do livro ‘A Vida Secreta dos Padres Gays’, de Brendo Silva – Foto: Reprodução
Daquela noite, ele diz se lembrar “com um sorriso no rosto” de se sentir deslocado, “vestido com calça e sapato sociais, cruz no peito e encostado na parede, a esperar pelo clérigo”.
Tudo isso este pedagogo de 33 anos relata em “A Vida Secreta dos Padres Gays – Sexualidade e Poder no Coração da Igreja” (ed. Matrix, 216 págs.). O autor parte da própria experiência para, segundo ele, “tirar a igreja do armário” e expô-la como “a grande rainha da hipocrisia”.
Avanços e tensões no papado de Francisco
A publicação do livro de Silva também reacende debates sobre a postura da Igreja sob o pontificado de Francisco. Embora o novo papa tenha adotado uma linguagem mais inclusiva em relação à comunidade LGBTQIA+, declarações recentes reforçando a visão tradicional de família continuam sendo utilizadas por setores conservadores para atacar fiéis e religiosos homossexuais.
Ainda assim, Batista vê sinais positivos. “O pontificado de Francisco impulsionou iniciativas de inclusão. Hoje há padres que se assumem ou apoiam leigos LGBT+. É um movimento ainda tímido, mas importante para a mudança cultural dentro da Igreja”, diz.
Brendo Silva, que deixou o seminário há dez anos, afirma que sua obra é uma tentativa de “tirar a Igreja do armário” e provocar transformação. Desde o lançamento, ele relata ter recebido ameaças virtuais. “Na inquisição você estaria na fogueira”, diz um dos comentários enviados a ele, que agora vive sob receio de represálias.
Apesar disso, Silva segue determinado a abrir espaço para um debate que, segundo ele, a Igreja insiste em evitar: “Quero uma Igreja mais honesta, menos hipócrita e mais humana”.