Alguns espectadores deixaram a sala em lágrimas, após conhecer a história real de Eunice Paiva, que teve a família arruinada quando o ex-deputado Rubens Paiva foi morto nos porões da ditadura militar, no Rio de Janeiro. A personagem vivida pela atriz Fernanda Torres tocou o público pela força e a coragem com que enfrentou a situação dolorosa do desaparecimento e assassinato do marido, na década de 1970.
Um passado triste que o próprio Walter Salles conheceu, como fez questão de destacar ao subir ao palco, na cerimônia de abertura do festival, na Gare du Midi, em Biarritz. “Era uma família que morava no Rio de Janeiro, não muito longe da minha casa, e eu fiquei amigo de uma das cinco crianças, quando eu tinha 13 anos“, disse o diretor, minutos antes da primeira projeção de seu novo filme na França. “Eu me sentia perdido nesse país com falta de liberdade e naquela casa eu descobri a música brasileira e aprendi que as conversas sobre política podiam acontecer entre todos, que não havia diferença entre conversa de adulto, de criança e de adolescente, o que era muito diferente do que acontecia na minha casa”, lembrou, discursando em francês. “O filme é inspirado de um romance magnífico de Marcelo Rubens Paiva, que é um dos personagens do filme, e espero que possa interessar a todos”, apresentou. “Este filme fala da memória de uma família e de um país”, completou o cineasta.
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Walter Salles ainda destacou que o festival de Biarritz é uma forma de levar ao mundo “não apenas uma geografia física, mas humana da América Latina. “Acho genial que este festival exista”, elogiou.
“Cinema é instrumento para defender a memória”
Ao ser interpelado no palco pela atriz portuguesa Maria de Medeiros, Walter Salles disse que se sentia “honrado de ter pessoas que são tão importantes para o cinema brasileiro na sala”, citando o nome da produtora brasileira Sara Silveira, também presente em Biarritz nesta 33ª edição do evento. “A nossa maneira de olhar o mundo é muito específica”, continuou. “Eu penso que tanto a literatura quanto o cinema são instrumentos importantes para defender a memória e o filme também é sobre isso”, concluiu.
Coprodução entre Brasil e França, “Ainda estou aqui” é estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, e conta com participação especial de Fernanda Montenegro. O filme se passa no início dos anos 1970, quando o Brasil vivia uma realidade de ditadura militar e relata a agonia de Eunice Paiva, que passou 40 anos procurando a verdade sobre o seu marido desaparecido. Rubens Paiva foi levado de casa para depor e nunca mais voltou.
O filme recebeu o prêmio de melhor roteiro no prestigiado Festival de Veneza, em 7 de setembro, para Murilo Hauser e Heitor Lorega. E foi uma excelente escolha para abrir o festival de Biarritz, disse Maria de Medeiros, em entrevista à RFI Brasil. “O filme foi, muito bem recebido, eu saí com o coração apertado porque o Walter consegue realmente nos imergir na história dessa família e a gente vive com eles a tragédia”, analisa. “Walter é um grande diretor, é um mestre do cinema e a direção é de uma elegância, de uma grande beleza, com atores extraordinários e é a história do Brasil”, completa. “Como ele salientou, é importante manter a memória viva, o conhecimento do que aconteceu porque não esqueçamos que existem políticos atualmente que reivindicam ser dessa época e que defendem o retorno de alguma coisa como a ditadura e o horror absoluto que vimos no filme”, conclui.
“Ainda estou aqui” entra em cartaz nos cinemas da França no dia 15 de janeiro de 2025 e foi apresentado em Biarritz fora de competição.