
Especialistas franceses recomendam que crianças menores de 6 anos não sejam expostos a eletrônicos – Foto: Philippe Huguen/AFP
O documento, um “apelo à conscientização coletiva” dirigido a “jovens pais, professores, educadores e pedagogos, cuidadores, tomadores de decisões políticas e a todos que se preocupam com a saúde das crianças”, é assinado conjuntamente e publicado on-line pela Sociedade Francesa de Pediatria e pelas Sociedades de Saúde Pública, de Psiquiatria Infantil e Adolescente e de Oftalmologia, além da Sociedade Francófona de Saúde e Meio Ambiente.
A recomendação faz parte do relatório final de uma comissão sobre crianças e eletrônicos, publicado em abril de 2024, a pedido do presidente Emmanuel Macron. Mas as sociedades signatárias decidiram publicá-la isoladamente este ano para alertar sobre os problemas da exposição de crianças aos eletrônicos.
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“Em 2025, não há mais dúvidas, e inúmeras publicações científicas internacionais estão aí para nos lembrar: nem a tecnologia dos eletrônicos, nem seu conteúdo, incluindo os supostamente ‘educativos’, são adequados para um cérebro pequeno e em desenvolvimento”, afirmam.
Os especialistas lembram que, apesar de depender em parte de fatores genéticos, o neurodesenvolvimento é resultado principalmente das observações e interações ricas e variadas com o ambiente. Os seis primeiros anos de vida são fundamentais para este desenvolvimento, quando a criança explora o espaço guiado pelos pais, com muitos aprendizados motores, sensoriais e intelectuais fundamentais.
“Os eletrônicos, qualquer que seja sua forma — televisão, tablet, telefone — não atendem às necessidades das crianças” e, “pior, dificultam e alteram o desenvolvimento de seu cérebro”, afirmam as sociedades científicas.
O documento cita observações feitas por profissionais de saúde e professores de creches e escolas, sobre os possíveis danos causados pela exposição regular às telas antes da entrada no ensino fundamental, como atrasos na linguagem, problemas de atenção e memória e agitação motora.
Eletrônicos e desigualdade social
Atualmente, os jovens são bombardeados pela tecnologia de uma forma nunca antes imaginada. Celulares, TV, Internet, computadores, players, leitores digitais são apenas alguns dos instrumentos que cercam o cotidiano dos nossos alunos oferecendo um rápido acesso a várias informações. Para muitos deles, a praticidade desses aparelhos é incorporada de forma tão natural que chegam ao ponto de nem imaginar como conseguiriam viver sem tudo isso.
Esse processo de naturalização, muitas vezes fomentado pela “promessa de felicidade” vendida pelas propagandas que anunciam tais produtos, de fato, encobrem as desigualdades que nem sempre são discutidas. Em muitos casos, o preço acessível dessa tecnologia advém da exploração da mão de obra e da matéria-prima barata oriunda de países que sofrem com a miséria e a desigualdade. Contudo, muitos alunos nem mesmo sabem da existência desse tipo de situação.
Buscando inserir tal debate em sala, sugerimos a apresentação de uma charge que pode revelar de forma significativa essa relação entre o oferecimento das tecnologias e o problema da desigualdade.
O documento também sublinha que a exposição aos eletrônicos contribui para o aumento das desigualdades sociais porque, embora todas as origens socioeducacionais sejam afetadas, a exposição é maior em famílias mais pobres.

Apesar de alguns avanços recentes na democratização das instituições educacionais, ainda temos um sistema de ensino desigualmente marcado por critérios de raça e classe entre estudantes, assim como por diferenças regionais – Foto: Reprodução
“Não se trata de diabolizar as ferramentas digitais e seu uso, mas há uma idade para tudo”, enfatizam os especialistas em saúde, que pedem especialmente aos pais que “criem um ambiente favorável à saúde e ao desenvolvimento da criança”, incentivando “atividades alternativas: leitura em voz alta, jogos — livres, de tabuleiro ou ao ar livre —, atividades físicas, criativas e artísticas”.
O documento atualiza dessa maneira, a mensagem das autoridades de saúde na maioria dos países, que recomendam que menores de três anos não tenham acesso a eletrônicos. Para os especialistas, esta regra é “claramente insuficiente”.
As instituições e o Estado têm um papel importante a desempenhar. “Porque a formação de todos os profissionais envolvidos na primeira infância, tanto cuidadores quanto professores, é essencial”, salientam.
Eles recomendam campanhas de informação e conscientização em larga escala para o público em geral. “São necessárias intervenções de orientação dos pais, especialmente voltadas ao desenvolvimento de habilidades psicossociais, e a implantação de projetos educacionais específicos em creches”, explica. “Iniciativas que ajudariam a devolver o poder de ação aos adultos que apoiam as crianças diariamente e com seus meios”, conclui.
Com RFI e AFP