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Política

Anticientificismo

Governo Lula ignora evidências científicas em decreto de educação pós-pandemia

Um decreto recente do Ministério da Educação (MEC) do governo Lula suprimiu todas as menções ao uso de “evidências científicas” ao tratar sobre a recomposição de aprendizagem educacional no pós-pandemia de Covid-19. O termo, que aparecia três vezes no texto anterior — editado durante o governo Bolsonaro —, foi totalmente retirado da nova versão, publicada em fevereiro.


O ministério da Educação retirou todos os termos de “evidência científica” de novo decreto de recomposição de aprendizagem pós-pandemia. Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

O chamado Pacto Nacional de Recomposição das Aprendizagens é uma política pública voltada à recuperação do aprendizado perdido por estudantes durante a pandemia. Na versão de 2022, o uso de evidências científicas era apontado como diretriz essencial para a tomada de decisão e para o desenvolvimento de recursos e tecnologias voltados a professores e gestores educacionais.

Já no novo decreto, esse fundamento foi substituído por princípios como a “promoção da equidade” e o reconhecimento das “diversidades e singularidades” dos estudantes, o que não possui qualquer referência à eficácia comprovada de métodos pedagógicos.

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“São justamente as evidências científicas que garantem a eficácia de uma abordagem pedagógica. Então, o investimento de recursos públicos sem o cuidado de saber que se está adotando é, no mínimo, irresponsabilidade. As evidências científicas existem justamente para mostrar o que funciona e o que não funciona”, avalia Anamaria Camargo, mestre em educação pela University of Hull e diretora-executiva do Instituto Livre pra Escolher.

Falta de evidência científica abre caminho para decisões ideológicas na educação

Para Camargo, a retirada de evidências científicas abre espaço para decisões ideológicas na educação, especialmente ao priorizar critérios identitários. “Diferente de uma pessoa com deficiência, que de fato exige um olhar pedagógico específico, substituir as evidências científicas e passar a considerar gênero, raça e etnia já prova uma escolha para uma abordagem que forma sectários woke, o que é absolutamente anticientífico”, enfatiza.

Já o problema apontado por Pedro Zany Caldeira, professor de Educação na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), aponta que os problemas vão além da ideologia. Segundo ele, falta estrutura técnica nas políticas públicas, demonstradas no baixo desempenho do Brasil em avaliações nacionais, como o Saeb, mas principalmente em avaliações internacionais como o Pisa ou o PIRLS.

Caldeira destaca que usar a BNCC como base de estruturação de um programa de recomposição da aprendizagem também não é o suficiente. “Seria necessário algo bem mais estruturado, claro e objetivo, como o currículo de Singapura, as Metas de Aprendizagem de Portugal ou, para entendermos que há trabalho qualificado a este nível no Brasil, o currículo de Sobral (Ceará)”, completa o professor.

Novo texto restringe parcerias e favorece ONGs já credenciadas

Caldeira ainda ressalta que estados e municípios podem ter a autonomia prejudicada, impedindo a inclusão de pedagogias eficientes. “A estrada para a inclusão de parâmetros ideológicos e políticos na formulação de estratégias ‘pedagógicas’ em situações de crise está totalmente aberta: pois o processo estará totalmente centralizado em Brasília, para os Estados e municípios que aderirem ao sistema desenvolvido e controlado pelo MEC”, ressalta Caldeira.

Outro ponto que reforça o direcionamento ideológico da política de recomposição da aprendizagem é a restrição de parceria apenas com entidades sem fins lucrativos. Enquanto o decreto de 2022 previa colaborações com “entidades, organizações nacionais e organismos internacionais que atuem em educação” — o que amplia o escopo de concorrência para essas parcerias —, a nova versão restringe as parcerias a ONGs, cooperativas, associações e fundações.

O texto ainda menciona a existência de uma legislação que trata sobre o credenciamento de algumas ONGs pelo MEC, ou seja, que estão dispensadas por lei de participar de um chamamento público.

“Ou seja, aquelas ONGs que já são ‘amigas do MEC’, vão ser as parceiras escolhidas, independentemente do seu custo, já que não vai ter concorrência, e da sua capacidade técnica. E essas organizações que vão participar como parceiras, muitas vezes baseiam o seu trabalho em saberes diversos, como, por exemplo, o socioconstrutivismo, que não tem eficiência para alfabetização”, analisa Camargo.

A especialista alerta que a retirada da ciência na educação não é um problema particular do novo texto, mas está em uma crescente. “Os documentos orientadores curriculares que o MEC tem estabelecido, assim como o Conselho Nacional de Educação, estão cada vez mais woke, cada vez menos baseados em ciência”, conclui a especialista.

Fonte: Gazeta do Povo