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Justiça

Brasil

Proposta de Código Civil permite excluir filho negligente e cônjuge de herança

Projeto visa atualizar legislação de 2002, dando mais liberdade para planejar sucessão, mas com risco de aumentar disputas. "Abriu-se uma subjetividade que antes não havia. O juiz passa a definir coisas que dependerão de provas, de contraditório, da instalação de um processo que vai atrasar os inventários", afirma Silvia Felipe Marzagão, especialista em direito de família e sucessões.


Rodrigo Pacheco, ex-presidente do Senado e autor formal de mudança no Código Civil – Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

A proposta de reforma do Código Civil brasileiro que começou a tramitar no Senado no final de janeiro traz várias mudanças nas relações familiares e patrimoniais, como o aumento da liberdade para planejar a própria herança.

Há regras que permitem excluir da divisão dos bens cônjuges e filhos que tenham abandonado os pais. O texto indica que podem ser excluídos da sucessão os herdeiros que “tiverem deixado de prestar assistência material ou incorrido em abandono afetivo voluntário e injustificado contra o autor da herança.”

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Ao mesmo tempo, é possível destinar uma parcela maior do legado a alguns herdeiros.

O texto prevê, por exemplo, que o cônjuge não será mais considerado “herdeiro necessário”, um retorno à regra vigente até 2002. Também não concorrerá com descendentes —ou ascendentes, na ausência de filhos— pela parcela do patrimônio sobre a qual o falecido não pode indicar livremente ao definir os beneficiários, a chamada herança legítima de 50%.

No limite, o “cônjuge ou convivente” poderá ficar sem nada, explica o advogado Alessandro Fonseca, especialista em gestão patrimonial, família e sucessões do escritório Mattos Filho, citando o exemplo de uniões com separação total de bens.

Na comunhão universal ou parcial, continua valendo o direito do cônjuge à meação (metade do patrimônio comum do casal) sobre o que foi adquirido durante o convívio.

Atualmente, ele também concorre como herdeiro pelo patrimônio anterior ao casamento, por exemplo. Pelo projeto, cônjuges só entrarão na lista da sucessão legítima na ausência de descendentes e ascendentes.

O texto também diz que a Justiça pode garantir usufruto de determinados bens para subsistência do cônjuge que comprovar insuficiência de recursos ou de patrimônio, valendo também o direito de habitação em caso de imóvel único onde os dois viviam até constituição de novo patrimônio ou família. Documento completo neste link

Atualmente, não é possível afastar o cônjuge da condição de herdeiro por testamento, o que será permitido se a mudança for aprovada, afirma Silvia Felipe Marzagão, especialista em direito de família e sucessões e sócia no Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas.

“Se eu quiser deixar o cônjuge completamente desatendido, sem nenhum tipo de herança, posso fazer isso pelo novo código. Hoje, não consigo afastá-lo”, afirma a advogada, que também preside a Comissão Especial da Advocacia de Família e Sucessões da OAB-SP.

A extinção do direito de concorrência sucessória de cônjuges e companheiros, especialmente no regime de separação de bens, foi uma das principais sugestões recebidas nos canais disponibilizados pelo Senado para discussão sobre o tema, segundo o texto de justificativa do projeto.

Os argumentos são a “progressiva igualdade entre homens e mulheres na família”, o ingresso da mulher no mercado de trabalho e o fenômeno crescente das famílias recompostas.

Por outro lado, são alterações que abrem espaço para mais disputas familiares e podem aumentar o tempo de análise dos inventários, por causa de critérios subjetivos, afirma a presidente da comissão da OAB-SP.

Um dos artigos, por exemplo, diz que será possível destinar até um quarto da parcela legítima da herança a descendentes e ascendentes que sejam considerados “vulneráveis ou hipossuficientes”, critério que ela avalia que poderá ser questionado na Justiça pelos herdeiros prejudicados.

A mesma questão se aplicaria à disponibilização imediata, antes da partilha, de 10% da cota do herdeiro com quem “comprovadamente” o autor da herança conviveu durante os últimos tempos de vida “e que não mediu esforços para praticar atos de zelo e de cuidado em seu favor”.

“Abriu-se uma subjetividade que antes não havia. O juiz passa a definir coisas que dependerão de provas, de contraditório, da instalação de um processo que vai atrasar os inventários”, afirma Marzagão.