O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, anunciou nesta segunda-feira (20/05) que pediu a expedição de mandados internacionais de prisão contra líderes de Israel e do Hamas, por acreditar que eles são responsáveis por crimes de guerra e contra a humanidade na Faixa de Gaza e em Israel.
São alvos dos pedidos de mandados de prisão o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, além de três líderes do Hamas: Yehya Sinwar, líder do grupo, Mohammed Deif, comandante do braço militar do Hamas, e Ismail Haniyeh, diretor do escritório político do grupo.
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Os pedidos serão avaliados pela câmara de pré-julgamento da corte, que decidirá se expede ou não os mandados de prisão. Um mandado expedido pelo TPI em tese obriga seus Estados-membros a prender a pessoa se ela pisar em seus territórios, mas a corte não tem uma força policial própria ou outras maneiras para executar essa ordens.
Em 7 de outubro passado, o Hamas promoveu um ataque contra Israel que deixou cerca de 1.200 mortos e sequestrou cerca de 350 pessoas. Israel reagiu com uma ofensiva militar contra a Faixa de Gaza, que deixou até o momento 35 mil mortos, segundo autoridades de saúde locais. Cerca de 80% dos 2,3 milhões de palestinos que moram em Gaza foram forçados a se deslocar dentro do território desde o início da guerra.
“Fome como método de guerra”
Khan vinha investigando acusações relacionadas à guerra em Gaza desde o final de outubro. Falando sobre as ações israelenses, ele afirmou que “os efeitos do uso da fome como método de guerra, junto com outros ataques e punição coletiva contra a população civil de Gaza, são agudos, visíveis e amplamente conhecidos”. “Eles incluem desnutrição, desidratação, sofrimento profundo e um número crescente de mortes entre a população palestina, incluindo bebês, crianças e mulheres”, disse.
Khan também disse que viu pessoalmente as cenas “devastadoras” do ataque do Hamas em 7 de outubro e “o profundo impacto dos crimes inconcebíveis denunciados nos pedidos de hoje”. “Conversando com sobreviventes, ouvi como o amor dentro de uma família, os laços mais profundos entre um pai e um filho, foram contorcidos para infligir uma dor insondável por meio de crueldade calculada e extrema insensibilidade. Esses atos exigem responsabilização.”
O Hamas é considerado uma organização terrorista por diversos países do Ocidente, incluindo os Estados Unidos e a Alemanha.
O ministro do Exterior de Israel, Israel Katz, disse que a iniciativa do promotor do TPI era “escandalosa” e que havia aberto uma “sala de situação especial” para reagir ao pedido de prisão de Netanyahu e do ministro da Defesa israelense. Sami Abu Zuhri, um oficial do Hamas, disse que o pedido de Khan “igualava a vítima ao perpetrador” e encorajava Israel a prosseguir com sua “guerra de extermínio” em Gaza.
O que são crimes de guerra?
Um crime de guerra consiste numa grave violação do direito internacional contra civis e combatentes durante conflitos armados. A classificação faz parte de um complexo sistema judiciário que emergiu após a Segunda Guerra Mundial com os Julgamentos de Nurembergue.
As regras internacionais de conflito armado foram estabelecidas em 1949 pelas Convenções de Genebra, ratificadas por todos os Estados-membros da ONU e complementadas por decisões de tribunais internacionais de crimes de guerra.
Uma série de tratados rege o tratamento de civis, soldados e prisioneiros de guerra num sistema conhecido coletivamente como Direito dos Conflitos Armados ou Direito Humanitário Internacional. Ele se aplica às forças governamentais e aos grupos armados organizados, incluindo os militantes do Hamas.
Os crimes de guerra, especificamente, assim como os crimes contra a humanidade, foram definidos no Estatuto de Roma de 1998, que serviu de base para a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Nele, estão contemplados mais de 50 cenários possíveis, tais como assassinato, tortura, estupro e tomada de reféns. O estatuto também inclui ataques deliberados a centros populacionais indefesos não considerados alvos militares.
Qual é o papel do Tribunal Penal Internacional?
Em caso de crime de guerra, cabe aos tribunais nacionais a aplicação da assim chamada jurisdição universal, cujo âmbito, porém, é limitado.
Quando eventuais atrocidades não são levadas à Justiça internamente, o TPI é o único órgão jurídico internacional capaz de apresentar acusações. Inaugurado em Haia em 2002, ele é o tribunal mundial permanente para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Sua jurisdição abrange crimes cometidos pelos seus 123 Estados-membros e seus respectivos cidadãos.
Mas muitas das principais potências mundiais não o integram, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Egito. O TPI reconhece a Palestina como Estado-membro, enquanto Israel rejeita a jurisdição do tribunal e não se envolve formalmente com ele.
Em março de 2023, o TPI expediu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, com base em suspeitas de que o presidente russo seria responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças da Ucrânia. O mandado contribuiu para a redução das viagens de Putin ao exterior.
Alvo de pedido de prisão, Netanyahu critica TPI e afirma que Israel trava ‘guerra justa’
Em uma reunião do partido de extrema direita Likud, nesta segunda-feira (20/05), o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se referiu ao pedido do promotor Karim Khan, do Tribunal Penal Internacional (TPI), para que seja emitido um mandado de prisão contra ele e contra o ministro de Defesa do país, Yoav Gallant.
No encontro, o premiê afirmou que rechaça a “repulsiva narrativa do procurador de Haia, que tenta igualar o governo democrático de Israel e os assassinos em massa do Hamas”.
“Com que audácia você compara o Hamas que assassinou, queimou, massacrou, decapitou, estuprou e sequestrou nossos irmãos e irmãs e os soldados das Forças Armadas de Israel (IDF, por sua sigla em inglês), que travam uma guerra justa”, adicionou Netanyahu.
O procurador do TPI solicitou aos magistrados a emissão de um alerta de captura internacional contra os dois políticos israelenses, por crimes de guerra cometidos durante a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza, que já matou mais de 35 mil civis palestinos.
Três líderes do Hamas também foram alvo do pedido de Khan: Yehya Sinwar, líder do grupo de resistência palestino, Mohammed Deif, comandante do braço militar, e Ismail Haniyeh, diretor do escritório político do grupo.
Apesar do pedido de Khan – que ainda não foi ratificado pelos magistrados do TPI –, Netanyahu frisou que a ofensiva militar israelense em Gaza “não vai parar”.
“Continuaremos com a guerra até que os reféns sejam libertados e o Hamas seja destruído”, comentou.
Apoio de Biden
Nesta mesma segunda, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também se referiu ao pedido do promotor Khan, o qual qualificou como “ultrajante”.
“Deixe-me ser claro: independentemente do que esse promotor possa sugerir, não há equivalência entre Israel e o Hamas”, enfatizou Biden.
Em seguida, o mandatário norte-americano salientou que seu país “estará sempre ao lado de Israel diante das ameaças à sua segurança”.
Por sua parte, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmou que “os Estados Unidos deixaram muito claro, mesmo antes deste pedido, que o TPI não tem jurisdição sobre esta matéria. O TPI foi estabelecido tribunal de jurisdição limitada. Esses limites baseiam-se nos princípios da complementaridade, que não parecem ter sido aplicadas aqui em meio à pressa do promotor em buscar tais mandados de prisão, em vez de dar ao sistema legal israelense uma oportunidade plena e oportuna de agir”.
Ironicamente, a postura dos Estados Unidos para com o TPI foi completamente diferente em março de 2023, quando essa mesma corte solicitou a prisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, com conteúdo semelhante: seu envolvimento em supostos crimes de guerra durante o conflito entre o seu país e a Ucrânia.
Na ocasião, Washington celebrou a decisão e defendeu que os países da comunidade internacional a respeitassem, o que levou o mandatário russo a restringir suas viagens apenas a nações aliadas.
Com agências