Apoiado em imagens, o Le Monde mostra que há 48 horas centenas de pessoas tentam identificar traços de desaparecidos no maior centro de torturas do regime, a prisão de Sednaya, a 20 quilômetros de Damasco. As famílias chegam ao local com listas de nomes nas mãos. Na madrugada de segunda para terça-feira (10), equipes da Defesa Civil encerraram as buscas no subsolo do complexo penitenciário, onde destruíram muros em busca de corpos ou de prisioneiros que poderiam ter sido emparedados pelo regime, mas nada encontraram, relata o Le Monde. De acordo com dados recolhidos pela ONG Anistia Internacional, apenas entre 2011, quando começou a guerra civil, e 2018, 38.000 prisioneiros políticos foram mortos na Síria.
O jornal Libération também dedica sua manchete à “pior prisão” mantida pela dinastia Assad, onde “milhares de presos foram torturados e executados”. No imenso complexo de concreto, “famílias tentam saber o que aconteceu aos seus entes queridos, percorrendo os corredores marcados por décadas de atrocidades”. Em uma segunda reportagem, no palácio presidencial em Damasco, sírios que entraram no local após a liberação descobrem de onde Bashar al-Assad observava o país e comandava a opressão.
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Um combatente rebelde observa a busca por prisioneiros na prisão de Sednaya, depois que derrubaram o presidente Bashar al-Assad no domingo – Foto: Amr Abdallah Dalsh/REUTERS
A enviada especial do Le Figaro a Damasco relata que os insurgentes que liberaram a capital síria foram bem-recebidos pela população nos mercados da cidade. “Existe uma esperança, embora frágil, de que após cinco décadas de ditadura da família Assad, a Síria inicie uma nova era pacífica. No exterior e também entre minorias que se sentem ameaçadas pelos opositores islamistas, teme-se um caos semelhante ao da Líbia. Mas muitos sírios, jovens e idosos, dizem que já suportaram o pior e nada pode ser mais destruidor do que o clã Assad representou nos últimos 54 anos.
Ataques a instalações militares
Le Parisien relata que as forças israelenses destruíram as principais instalações militares de Assad, para impedir que os rebeldes que acabam de derrubar o ditador se apoderem de armas estratégicas, como restos do arsenal de armas químicas, usadas contra civis, ou mísseis de longa distância.
A lista de locais e equipamentos bombardeados, em mais de 300 ataques desde domingo, segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), é longa: aeroportos, estradas, radares, depósitos de armas químicas e mísseis de longo alcance, centros de pesquisa militares em várias regiões do país. Israel também danificou navios da Marinha síria ao atacar uma unidade de defesa antiaérea nos arredores do porto de Latáquia, na costa do Mediterrâneo.
O ministro das Relações Exteriores israelense, Gideon Saar, justificou esses bombardeios por considerar que “os insurgentes sírios são movidos por uma ideologia extremista islâmica”.
Com a queda de Assad, volta das ações terroristas no Ocidente é preocupante
Os temores da França e outros países ocidentais é de uma volta das ações terroristas do Estado Islâmico após a queda de Bashar Al-Assad. “O risco existe realmente, mas não é tanto o de um novo califado ou de uma conquista territorial como em 2015. O risco é que o Estado Islâmico tente, por meio de ataques, sobretudo contra minorias ou organizações internacionais, desestabilizar a Síria e mergulhar novamente o país em uma guerra civil”, analisa Asiem El Difraoui, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos de Paris, especialista no movimento jihadista internacional.

Combatente da oposição síria comanda posto de controle após a tomada da cidade pela oposição no domingo em Damasco, na Síria – Foto: Omar Sanadiki/AP
“O Estado Islâmico sempre teve como doutrina algo que se chama ‘gestão da barbárie’, que diz que para reinar sobre um país é necessário antes semear o caos total através do terror. Dessa maneira as pessoas vão se voltar para o Estado Islâmico”, explica o especialista em entrevista. Ele Lembra que foi o que fizeram no Iraque, após a liberação de Bagdá, com um ataque espetacular contra a sede da ONU que matou o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, representante das Nações Unidas no país. “Eles atacaram no Iraque os estrangeiros e sobretudo aos xiitas no poder para semear a guerra civil e essa estratégia funcionou”, sublinha.
De acordo com Asiem El Difraoui, não se tem uma ideia precisa do número de combatentes do Estado Islâmico ainda presentes no deserto sírio, na fronteira com o Iraque. Segundo o especialista, há por volta de uma centena de milhares de apoiadores do grupo nos campos curdos nos territórios controlados por esta minoria no Iraque. Essas pessoas, detidas com suas famílias há anos pelas forças curdas, sobretudo no campo de refugiados de Al-Hol, no norte da Síria, poderiam aproveitar das lacunas de segurança para escapar.
O HTS, grupo rebelde mais forte que tomou o poder em Damasco, conseguiu controlar durante anos pequenos grupos jihadistas, sobretudo franceses, e deixou claro que é contra a realização de ações armadas contra o Ocidente.
“A grande questão é se esses pequenos grupos vão tentar criar relações com o Estado Islâmico. Então existe um risco. É necessário dizer também que o HTS combateu o Estado Islâmico com todos os meios, também foi vítima de ataques suicidas do grupo Estado Islâmico”, lembra o especialista, afirmando que os dois grupos são inimigos desde sua separação em 2015.
100 jihadistas franceses procurados por terrorismo
Cerca de “cem franceses” estavam no reduto rebelde de Idlib, no noroeste da Síria, antes da queda de Bashar al-Assad no domingo (8). Eles são “a principal preocupação” das autoridades francesas, anunciou o procurador antiterrorismo Olivier Christen, em entrevista à rádio RTL, especificando que eles eram “combatentes jihadistas”.
“Entre os combatentes que derrubaram o regime de Bashar Al-Assad em menos de uma semana, estão os jihadistas franceses do movimento Hayat Tahrir al-Sham (HTS) e a brigada de Omar Omsen” ou Omar Diaby, considerado responsável por recrutar dezenas de jihadistas na França, de acordo com o procurador antiterrorismo em entrevista ao jornal francês Le Figaro.
“Cerca de cinquenta pertencem, de fato, à brigada de Omar Omsen e cerca de trinta ao movimento liderado” por Abou Mohammad al-Jolani, líder do HTS, detalhou Christen, afirmando que há “cerca de trinta mulheres” em Idlib. “Não sabemos exatamente quantos destes combatentes participaram no ataque a Damasco e em que proporção”, disse ele ao Le Figaro.
Segundo o procurador antiterrorismo, “dos 1.500 franceses” que partiram da França recrutados pelo jihad nos anos 2000, 390 voltaram para a França, 500 morreram, “cerca de uma centena” estavam em Idlib, “cerca de 150” foram detidos no nordeste da Síria e no Iraque e 300 estão “desaparecidos”.
“Há alguns que provavelmente se juntaram às tropas rebeldes clandestinamente, mas, por enquanto, não há vestígios imediatos”, observou o Christen na RTL.
Uma ofensiva relâmpago de grupos rebeldes liderados pelo grupo radical islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que começou em 27 de novembro, pôs fim ao regime de Bashar Al-Assad no domingo, após 13 anos de guerra civil.
“Cerca de trinta pessoas parecem estar bastante próximas do HTS e podem ter se juntado ao combate, apesar de serem conhecidos como indivíduos mais envolvidos em operações de financiamento”, indicou o procurador.
(Com agências)