7 de setembro de 1822 – um passeio histórico ao cotidiano de dois séculos atrás.
Naquela época, as notícias que chegaram da Alemanha revelaram que o Brasil, mais do que nunca, estava no centro das atenções dos europeus. Além das preocupações a respeito do preço do café exportado pelo país, um evento trágico comoveu a comunidade científica do Velho Continente.
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De acordo com reportagem publicada no Münchener Politische Zeitung, um dos principais periódicos de Munique, no dia 20 de maio de 1830 a indígena Isabela, da tribo amazônica dos miranhas, morreu naquela cidade alemã por “inflação crônica geral das entranhas do abdome”.
Isabela Miranha, assim batizada pelos naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, nasceu e cresceu no Brasil e foi levada por eles, quando tinha entre 12 e 14 anos, para viver na Europa. O triste destino de Miranha, nome pelo qual ficou conhecida, põe fim à tentativa — questionável sob diversos aspectos, ressalte-se — de incorporar os hábitos e costumes europeus a indivíduos que cresceram no coração da floresta brasileira, chamados pelos expedicionários de “selvagens”.
Miranha não foi a única a perecer em solo europeu. Pouco antes, em junho de 1828, seu companheiro de viagem, Johannes Juri, do grupo comá-tapuia, perdeu a vida por complicações decorrentes de uma pneumonia. Juri também tinha entre 12 e 14 anos.
Como tudo aconteceu
Durante uma expedição científica ao Brasil, entre 1817 e 1820, dois naturalistas alemães, Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, realizaram um feito que hoje ecoa com dor e reflexão: levaram para a Europa duas crianças indígenas brasileiras.
As duas crianças foram rebatizados pelos cientistas como Juri e Miranha, nomes que evocam suas etnias de origem — mas apagaram os nomes verdadeiros que um dia ouviram na língua da floresta. Tinham entre 12 e 14 anos quando deixaram a Amazônia. O pretexto era científico, mas a realidade era outra: as crianças foram arrancadas de suas terras e famílias, convertidas ao cristianismo e exibidos como curiosidades do “Novo Mundo”.

Miranha (à esq.) e Juri, crianças indígenas raptadas e levadas para o Velho Continente, não resistiram ao inverno rigoroso e às doenças que desconheciam – Pintura/Reprodução
Em 1820, Juri e Miranha chegaram à Baviera, na Alemanha. Passaram a viver na corte do rei Maximiliano I José, sob os cuidados de Martius. Eram observados, ensinados a ler e escrever em alemão, vestidos à moda europeia — mas nunca deixaram de ser olhados como estrangeiros exóticos, nunca tratados como sujeitos plenos. Foram figuras de fascínio e estudo, não de afeto ou pertencimento.
Juri morreu em 1828, aos 16 anos. Miranha, dois anos depois. Foram enterrados em Munique, longe das árvores, rios e cantos de sua infância.
A história dessas crianças nos lembra que o colonialismo não se deu apenas com armas e imposições políticas. Ele também vestiu roupas de ciência e cultura. E, assim, silenciou vozes e apagou existências.
Hoje, 205 anos depois, os nomes de Juri e Miranha reaparecem como símbolos de uma memória que esta sendo resgatada — não apenas por justiça, mas por humanidade.
Em Português
Dois meninos cruzaram o mar
com os olhos da mata e os nomes vendados
levaram nos ombros o peso obscuro
e nas mãos um silêncio amarrado
sementes plantadas longe do chão
pousando em neve sem certidão
calaram na língua um passado feliz
e tornaram-se a raiz que insiste em brotar.
Due bambini attraversarono il mare
con gli occhi della foresta e i nomi bendati,
portavano sulle spalle un peso oscuro
e tra le mani un silenzio legato.
Semi piantati lontano dal suolo,
posati sulla neve senza certificato,
tacquero nella lingua un passato felice
e divennero radice che insiste a germogliare.
Deux garçons ont traversé la mer
avec les yeux de la forêt et les noms bandés,
portant sur les épaules un poids obscur
et dans les mains un silence noué.
Des semences plantées loin du sol,
posées sur la neige sans certificat,
ils ont tu dans la langue un passé heureux
et sont devenus la racine qui insiste à germer.
Fontes: Veja e BBC