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Julgamento no STF pode criar ‘pacto fiscal’ e ‘disciplinar’ Congresso, dizem analistas

Julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) obrigará o Legislativo a apresentar formas de compensação por toda nova renúncia ou aumento de gastos obrigatórios promovidos pelo Legislativo.


Ministério da Fazenda já não vê com preocupação o projeto de lei que prorroga a desoneração da folha dos 17 setores da economia intensivos em mão de obra, ao mesmo tempo em que negocia com o Congresso e as prefeituras o formato final para os municípios. Mais importante do que esses dois temas, em si, segundo interlocutores da pasta, é o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da tese defendida pelo Executivo e que obrigará o Legislativo a apresentar formas de compensação por toda nova renúncia ou aumento de gastos obrigatórios promovidos pelo Legislativo.

Advocacia-Geral da União (AGU) avalia como “emblemático” o placar atual, de 5 a 0, com votos dos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Edson Fachin a favor do pedido do governo. Se o julgamento for concluído com a vitória governista, a visão da equipe econômica é de que isso vai fortalecer a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e promover o que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem chamando de novo “pacto federativo” entre os Poderes na área fiscal. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Luiz Fux.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem chamando de novo pacto de “pacto federativo” entre os Poderes na área fiscal – Foto: reprodução

Pelo voto de Zanin, seguido pelos outros quatro ministros da Corte, todos os projetos de lei aprovados pelo Congresso que promovam renúncias fiscais ou determinem gastos obrigatórios terão de apresentar não só estimativas de impacto, mas também as fontes de receita. Isso já é exigido não só pelo artigo 14 da LRF, mas também pela Lei do Teto de Gastos, do governo Michel Temer – que foi revogada, mas manteve essa obrigatoriedade. Nem sempre, no entanto, vinha sendo respeitada. Com a decisão do plenário do Supremo, o Congresso será obrigado a cumprir essas exigências.

A interlocutores, Haddad tem dito que essa decisão terá efeito sobre o mercado financeiro, com impacto sobre a curva de juros e o dólar, mas que a informação ainda não foi completamente assimilada pelos investidores. O Executivo terá o poder de declarar uma lei aprovada pelo Congresso como “ineficaz”, segundo integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), até que seja apresentada a fonte de custeio, em caso de aumento de gastos obrigatórios. A explicação do julgamento teria impressionado técnicos da agência Moody’s que estiveram no país no início de abril e contribuído para a melhora da perspectiva de crédito do País.

Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, esse é o principal “ganho colateral” da decisão do governo de judicializar o tema.

“É um ganho enorme. O STF vai criar a jurisprudência, o que, na verdade, já deveria ser feito, mas não é. O Legislativo vai ter de pensar duas vezes antes de criar novas despesas. Acho que a equipe econômica acertou em cheio na articulação para a judicialização da medida”, afirmou.

O consultor de orçamentos do Senado e doutor em Direito pela Universidade de Brasília, Helder Rebouças, diz que, caso o STF forme maioria, a tese terá também de ser aplicada para Estados e municípios, com benefício também para as finanças dos entes subnacionais.

“A decisão do STF cria verdadeira jurisprudência de responsabilidade fiscal também pela ótica da receita, como preconiza a LRF, para que, nos casos de outras renúncias, sejam efetivamente cumpridas e levadas a sério as exigências legais de demonstração dos impactos financeiros e da indicação expressa das medidas de compensação. Mais importante: a decisão se aplica à União, Estados e municípios”, afirmou.

A visão é a mesma do economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel, especialista em contas públicas. Ele também vê um grande avanço na conclusão do julgamento.

“O julgamento é muito importante, pois ajudará a disciplinar o Congresso Nacional e a uma interpretação austera da LRF, especialmente no que diz respeito ao seu artigo 14″, disse.

Sobre o efeito nos mercados, contudo, ele entende que o impacto será mais contido, enquanto o governo não apresentar um programa efetivo de cortes de gastos obrigatórios.

“O mercado está muito mais preocupado com a falta de iniciativa do governo em atacar a agenda de despesa obrigatória. Sem isso, todo o resto fica meio que escamoteado ou sem gerar ânimo, salvo melhor juízo”, afirmou.

‘Cheques sem fundo’

Essa visão da Fazenda foi levada ao Legislativo em uma conversa entre o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Após o acordo feito em torno da desoneração da folha salarial dos 17 setores, a preocupação é como ficarão outros projetos daqui para frente.

“Se todo mundo colocar a conta e não disser de onde sai o pagamento, vai ficar um monte de cheque sem fundo voando por aí”, afirmou Randolfe ao Estadão.

A necessidade apontada pelo Executivo já repercutiu na negociação da desoneração da folha salarial para os municípios. Ao sugerir que os prefeitos apresentassem uma contraproposta para o governo, Pacheco afirmou que a discussão precisa ser feita “sempre apresentando a fonte de compensação”.

A avaliação do governo e de parlamentares é que a pandemia de covid-19 deixou um legado negativo para a responsabilidade fiscal. Como as medidas emergenciais não precisaram respeitar a necessidade de compensação fiscal, a percepção é que o instrumento da LRF ficou banalizado.

O presidente do Senado, contudo, afirmou recentemente que o cerco aos projetos do Congresso pode se voltar contra o próprio governo. “O governo federal leva um rigor normativo, que eu inclusive apontei que não procede no projeto da desoneração, que não se sabe se foi adotado em relação a outros tantos projetos do próprio governo e em medidas provisórias”, disse Pacheco em coletiva de imprensa no dia 30 de abril.

Para Pacheco, ao adotar o rigor técnico, o governo abriu caminho para ser cobrado da mesma forma em propostas de interesse do Palácio do Planalto. “Acaba criando uma vulnerabilidade, um precedente, de qualquer parlamentar provocar, em relação a qualquer projeto de lei ou medida provisória, ausência daqueles requisitos invocados pela AGU como descumpridos na desoneração”, disse o presidente do Senado.

Com informações do Estadão